Aqui vamos para a segunda parte da influência e discografia de Ye, e para aqueles que não leram o início dessa trilogia, você pode conferi-lá aqui. E apenas para relembrar onde paramos no último texto, Kanye havia acabado de lançar Graduation, seu mais aclamado álbum até então.

Kanye estava no auge de sua vida, aproveitando do sucesso mundial de suas músicas, noivo, proporcionando grandes momentos à toda sua comunidade e família e, principalmente, realizando o sonho que o motivou a conquistar tudo até então: o sonho de orgulhar sua mãe. A relação dos dois sempre foi excelente e onde Kanye estava, sua mãe o acompanhava: em premiações, entrevistas e shows. Mas, no final de 2007, Donda West faleceu por causas até hoje não esclarecidas após uma cirurgia de lipoaspiração, o que, por si só,  abalou profundamente Kanye, que perdeu sua maior inspiração e amiga; isso foi potencializado pelo término de seu noivado pouco tempo depois, o que o levou a criar uma obra que pode ser considerada o divisor de águas do mundo do Hip-Hop: 808s and Heartbreak.

O álbum foi lançado em 24 de novembro de 2008, um ano e um mês depois da morte de Donda, mostrando um lado de Kanye nunca revelado, expondo suas fraquezas e decepções, exatamente o contraste de tudo aquilo que o artista demonstrou até então. Ficou claro que o músico estava se culpando pela tragédia e assumindo um papel que não lhe pertencia, falando tanto da tristeza de perder fisicamente alguém que amava tanto, quanto amorosamente, no caso de sua noiva, demonstrando que estava abalado psicologicamente por causa do amor.

A introdução desse tema no mainstream do mundo do Hip-Hop permitiu que vários outros rappers e artistas do meio se sentissem livres para expressarem seus sentimentos sem necessariamente se sentirem vulneráveis, e até mesmo na estética, onde Kanye passa a utilizar o auto-tune não só como uma ferramenta para “corrigir” sua voz, mas também usa-a para dar ainda mais profundidade a seus sentimentos, deixando-o de ser uma correção, para se tornar parte integral da música. Sendo o principal pioneiro na mudança radical que houve no gênero nos últimos anos, esse que pode ser definido como AY e DY.

É no ano de 2009, mais precisamente durante o VMA de 2009, que Kanye deixa de se tornar uma figura conhecida e querida entre a maior parte dos admiradores da música para adquirir o rótulo de controverso que carrega até hoje. Após chegar na cerimônia carregando uma garrafa de uísque, Kanye sobe ao palco e interrompe Taylor Swift durante seu  discurso de agradecimento na categoria Best Female Video, dizendo “Yo Taylor, I’m really happy for you, I’ll let you finish, but Beyoncé has one of the best videos of all time. One of the best videos of all time!” que soa mais ou menos como “Ei Taylor, eu estou muito feliz por você, e já vou te deixar terminar, mas a Beyoncé fez um dos melhores vídeos de todos os tempos. Um dos melhores de todos os tempos.” 

Necessário? Com certeza não, mentiroso? Também não. É difícil duvidar da expressão de Kanye West quando a própria organização do evento deu ao mesmo clipe da Beyoncé (Single Ladies) o prêmio de melhor videoclipe do ano. Entretanto, também é difícil defender a postura de um homem adulto que sobe bêbado ao palco e interrompe o discurso de uma vencedora e colega de profissão, porém, há algo que pouco se leva em consideração quando falamos sobre esse incidente: a atitude da mídia na época. 

A principal postura da mídia na época não foi sequer querer confortar Taylor, mas sim instigar uma briga entre os dois cantores, promovendo Kanye como um vilão por expressar sua opinião de maneira esdrúxula, e Taylor como a heroína que deveria confrontar uma das principais figuras do mundo da música na época. 

Do dia para a noite, todo o trabalho realizado por Ye até então foi jogado para dentro de uma gaveta para falarem de uma única atitude, uma série de palavras que não ofendem diretamente a ninguém e que mais apontam para um erro da premiação do que para qualquer outra coisa, mas que devido a necessidade da mídia de polemizar qualquer situação, Ye deixou de ser o cantor, produtor e um dos principais nomes da música, para se tornar exclusivamente um vilão, assim como Taylor, que deixou de ser uma cantora para se tornar uma vítima.

E levando em conta todo o recente histórico da vida de Kanye, não é de se espantar que o músico passou a sofrer ainda mais com sua figura pública, pois além de sua figura como músico, ele também é um homem como qualquer outro, fragilizado devido às grandes perdas recentes em sua vida, e segundo ele mesmo, toda essa fase o levou a um lugar mental muito sombrio e que o fez questionar se deveria continuar vivendo, tópico que ainda veremos muito em suas músicas, ainda que de maneira camuflada em muitos casos. 

Toda essa situação fez com que Kanye fosse colocado contra a parede. Afinal, dificilmente as pessoas esqueceriam de suas ações como o primeiro pensamento ao falar de seu nome, como algumas ainda não esqueceram até hoje, a não ser que fizesse algo que pudesse ser ainda maior do que toda essa polêmica, uma obra tão boa que o fizesse recuperar a simpatia das pessoas. 

Decidido, o vilão da mídia decidiu gravar viajar rumo ao Havaí, convidando os maiores nomes da música para participarem de seu próximo projeto e não permitindo que qualquer informação do projeto vazasse para o público, proibindo o uso de celulares e redes sociais durante a participação de todos em My Beautiful Dark Twisted Fantasy.

Virgil Abloh, Bon Iver, Kid Cudi, Mike Dean, Drake, Jay-Z, Elton John, Alicia Keys, Rihanna e Ozzy Osbourne são só alguns dos nomes que estão presentes no álbum que foi lançado em 22 de novembro de 2010. Sendo recebido como uma verdadeira obra de arte entre a crítica, um sucesso entre o público, e classificado como a obra que definiu a virada de década no cenário da música. 

Essa é a obra mais bem recebida do cantor, conseguindo mais uma vez navegar entre diversos gêneros, com participações de outros músicos que não só ajudam a construir uma obra ainda mais eclética e atemporal, mas que também são incorporados pelo conceito geral do álbum e se camuflam entre o som que é capaz de falar mais alto do que as vozes específicas.

Aqui é impossível destacar uma música além de outra, afinal, o conjunto todo é uma verdadeira obra de arte em todos os sentidos, porém, é impossível deixar de mencionar Power e Runaway, que mostram o lado mais pessoal da vida do músico, ambas de maneiras completamente diferentes. A primeira, Kanye age de maneira egocêntrica, se protegendo da mídia e mostra justamente a força que ele deveria transmitir para não se tornar o saco de pancadas da “Obama’s Nation”, enquanto na segunda, ele assume a instabilidade e a sua capacidade de estragar com tudo aquilo que havia construído por “ser bom em apontar aquilo que não gosta”.

Todos esperaram a resposta de Kanye, e a tiveram, vencendo o álbum de Rap do ano e calando a boca dos críticos que disseram “ele é incapaz de dar a volta por cima” após o incidente com Taylor. 

Mas agora que chegamos na metade de sua discografia solo, surge a pergunta que mais pode ser feita sobre toda a carreira de Kanye: O que ele faria se não vencesse? e apesar de a resposta ter sido deixada nas entrelinhas do álbum, eu acho que nunca iremos saber.

O sucesso de MBDTF colocou Kanye de volta nos holofotes de uma maneira positiva, e em menos de um ano lançou seu próximo projeto, Watch The Throne, um álbum em colaboração com Jay-Z e que resgata a parte mais retrô com um toque de modernidade do rap de ambos os artistas.

Apesar de ter um grande respeito pelo álbum, não é necessário um mergulho tão profundo na sua história e influência, até porque, é um álbum que diz mais sobre Jay-Z do que Ye. Destaque para as faixas No Church In The Wild e Otis. (Além daquela que você sabe muito bem qual é)

Para falarmos de seu próximo projeto, que é a obra que define o personagem, artista, músico e rapper, é necessário um breve resumo de toda sua discografia. Todo o conjunto de obras de Ye carregava um sentimento nostálgico até então, seja pelos samples e beats, pelas letras ou até mesmo pela atmosfera e narrativa criada pelo artista em relação a seu trabalho. Músicas que bebiam de fortes inspirações e apenas acrescentam uma nova camada, que não ouso dizer semelhante, mas que ainda conversavam diretamente com essas inspirações, entretanto, a era Yeezus é marcada justamente por essa quebra total com o trabalho prévio de Kanye.

Talvez a capa mais icônica de qualquer álbum de Hip-Hop, o CD sem nenhuma inscrição tem uma história interessantíssima por trás. Virgil Abloh, renomado designer, ajudou a criar a arte que em suas palavras representava a morte da era dos CDs. E que apesar de todos estarem acostumados a usar um serviço de streaming para ouvir música em 2023, era muito difícil enxergar esse futuro com ausência de qualquer mídia física há uma década. A arte da capa do CD, que não era mais um CD, foi considerada como uma anormalidade dentro da indústria, assim como a música dentro dele.

Trazendo um som futurista e repleto de elementos novos em suas músicas, Kanye criou uma atmosfera muito mais hostil e difícil de digerir do que qualquer obra sua até então. A primeira impressão é de que o projeto sequer está finalizado, e a sensação de repulsão é a primeira a aparecer ao escutar o álbum, entretanto, após ouvi-lo por algumas vezes, e de fato se concentrar na música, é visível o trabalho impecável realizado em todas as áreas, desde os samples, que estão mais discretos, quanto nos instrumentos, e até mesmo nas letras, onde Kanye abraça a criatura egocêntrica que existe em si.

Essa mesma criatura é o tema central do álbum, Ye, ou Yeezus, faz de sua experiência como um fenômeno o principal ponto de alinhamento entre as faixas, I Am a God (feat. God) transmite bem a ideia geral do álbum, ainda que mais uma vez seja impossível destacar uma música em especial, ou sequer um instrumento que domina a experiência além da voz, que foi levada a um novo patamar, distorcida, sampleada, reverberada e por aí vaí. Mas é impossível deixar de lado a minha escolha pessoal, Blood On The Leaves, onde Kanye junta o melhor de seu talento de utilizar músicas do Soul, fundir a sua própria estética e abraçar as inseguranças e desastres em exatos 6 minutos de orgasmos auditivos.
De maneira geral, Kanye aceitou seu próprio personagem, imperfeito e muito longe de ser politicamente correto, e, ao contrário do que havia feito em My BeautifulDark Twisted Fantasy, não buscou o aceitamento da crítica ou do público em geral, mas criou um som nunca antes visto e que pertence a uma prateleira só sua, de obras primas que dificilmente serão igualadas ou comparadas, tanto pela sua qualidade, tanto pela sua exoticidade. E apesar de toda a desconfiança inicial da crítica e até mesmo do público, entrou para o Hall da Fama da música com um Hip-Hop Industrial.