Em dezembro de 2014, após 52 episódios, Avatar: A Lenda de Korra chega ao fim, com sua última cena sendo duas mulheres: Korra e Assami, frente a frente e de mãos dadas. Muitos fãs acreditavam que as duas seriam um casal, o primeiro casal em uma animação infanto-juvenil ocidental. Mas isso era apenas especulação e teoria, até que dias depois da exibição foi confirmado pelos criadores que as duas personagens eram mulheres bissexuais e estavam em um romance.

Assami e Korra de mãos dadas em Avatar: A Lenda de Korra

Mas por quê isso foi apenas mencionado em um post? Por quê não exibir de forma mais explícita o relacionamento das duas? As duas perguntam têm uma resposta curta e outra longa: a curta é simplesmente homofobia; a longa é um pouco mais complicada e pode ser atribuída ao medo da rejeição do público conservador e a censura por parte da emissora, nesse caso, a Nickelodeon. Por esses motivos os criadores decidiram que ambiguidade seria a melhor decisão.

Hoje, quase seis anos depois, essa situação mudou, mesmo que menos que o esperado. Sim, tivemos séries como Steven Universo, que em 2018, fez o primeiro casamento queer em uma animação, mas como “recompensa”, a criadora da série Rebecca Sugar disse que o financiamento da série foi cortado e muito dos planos para uma continuação da história foram descartados.

Casamento de Rubi e Safira em Steven Universo

Steven Universo também, desde de sua criação, foi uma série com uma intensa representação e subtexto LGBTQ+, desde Stevonnie, a fusão de Steven e Connie, ser não-binárie até o antigo romance subentendido de Pérola com Rose Quartz, duas personagens femininas. Mesmo assim, muitos desses fatores que saem da heteronormatividade foram alterados ou censurados em versões internacionais, por “não serem apropriados para crianças”.

Além de Steven Universo, existem outras animações infanto-juvenis que tratam de temas de representatividade LGBTQ+, nenhuma dessas livre de um alto rigor por parte dos estúdios, uma delas é Hora de Aventura (outra série do Cartoon Network), que desde a terceira temporada indicava a um romance entre Princesa Jujuba e Marceline, mas nunca houve algo explícito dentro da animação confirmando esse relacionamento, até o último episódio, onde as duas compartilham um beijo após uma salvar a vida da outra.

Marceline e Princesa Jujuba se beijando no episódio final de Hora de Aventura

Saindo da TV paga e indo para o streaming, a Dreamworks é um estúdio com alguns produtos que tentam representar a comunidade LGBTQ+, algumas vezes ela foi falha, como na série Voltron: Legendary Defender, onde usaram o chamado queerbaiting, que nada mais é que usar a ideia de diversidade apenas para conseguir mais audiência, sem criar um real impacto. Outras vezes ela é excepcional, como é o exemplo de She-Ra e as Princesas do Poder e Kipo e os Animamonstros. O primeiro também é um dos shows com maior destaque no quesito diversidade dentro do gênero.

A representatividade dentro de She-Ra e as Princesas do Poder também não veio facilmente, como na animação de Sugar, a criadora da série Noelle Stevenson menciona os inúmeros processos que ela e seu time tiveram que montar para que o relacionamento de Adora e Catra fosse aprovado pelos executivos do estúdio, construindo uma história em torno do romance e fazendo que um ato físico de afeto entre as duas personagens seja inevitável para o desenvolvimento do enredo, sem a possibilidade de ser cortado na pós produção. Um movimento arriscado, mas que no final valeu a pena.

Adora e Catra na quinta temporada de She-ra e as Princesas do Poder

Diferente dos outros estúdios mencionados anteriormente, uma empresa que tem uma relação complicada com representatividade é a Disney, que muitas vezes coloca apenas figurantes ou menções facilmente cortáveis na hora da distribuição de seus filmes no exterior. Mas no âmbito da animação essa dificuldade é um pouco menor, mesmo que personagens como Xerife Blubs e o Delegado Durland, da série Gravity Falls, tenham seu relacionamento barrado pelos executivos do estúdio, animações mais recentes do canal abriram espaço para esse tipo de conversa. Um exemplo claro disso é A Casa da Coruja, que acaba de completar sua primeira temporada.

Na série a protagonista Luz foi confirmada pela criadora Dana Terrace como bissexual e que, durante os próximos anos da série será evidente os sentimentos dela por outra personagem da série, Amity. Isso marca um grande passo para a luta pela representatividade LGBTQ+ no universo das animações, pois a Disney, como maior empresa de entretenimento do mundo, tendo um discurso de aceitação e diversidade, conseguirá atingir uma nova geração de jovens que muitas vezes não se sentem vistos dentro da sociedade, gerando um cenário de aceitação e segurança para essas crianças.

Amity e Luz em A Casa da Coruja

Muito deve ser feito para atingir um cenário ideal, a representatividade LGBTQ+ é ainda muito escassa e pouco variada no meio do entretenimento e nas animações. As batalhas enfrentadas por Sugar e Stevenson são as poucas vitórias vistas dentro desse gênero; a censura e a repressão por parte dos estúdios impede que a diversidade seja apresentada para um público mais jovem e que muitas vezes necessita disso.

Pouco a pouco estamos vendo mais personagens que se identificam de diversas maneiras e vemos uma maior aceitação do público e um menor represamento de ideias por parte das empresas. A esperança é de que, no futuro, essa luta gere produções melhores ainda.

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