Existem pessoas que não precisam ser apresentadas, e ao escutar seus nomes você já sabe de sua importância e relevância. Uma delas é Martin Scorsese, e, aos supostos intelectuais do mundo do cinema, por favor pronuncie o nome dele em português, afinal, seu nome não é estadunidense e você só vai parecer um idiota falando “scorsísi”.

Na iminência de lançar seu próximo filme, “Killers of the Flower Moon”, o diretor octogenário completa 60 anos de atividade na indústria cinematográfica, e foi responsável por algumas das principais obras do cinema hollywoodiano do século XX e XXI, com filmes como; “Mean Streets”, “Taxi Driver”, “Raging Bull”, “The Departed” e “The Wolf of Wall Street”. Mas, apesar de sua importância para o cinema, a sétima arte foi muito mais importante para o Don do Cinema.

Nascido e criado em Nova Iorque, no bairro de Little Italy que, segundo ele, “parecia um vilarejo da Sicília”, Martin nunca pôde realizar atividades típicas de criança, como praticar esportes e badernar pelas ruas. Isso, pois sofreu uma grave condição asmática que o levou a passar a maior parte de sua infância em frente à televisão e dentro das salas de cinema, assistindo histórias de imigrantes italianos, assim como seus pais eram, esses que, além de incentivarem o futuro diretor a assistir a maior quantidade de filmes possível, também eram atores de meio-período.

Durante os anos 1940, era raro alguém possuir uma televisão em casa, e a família Scorsese tinha um aparelho de 16 polegadas em sua sala. Durante as noites de sextas-feiras, toda a família, incluindo seus tios, tias e avós, que sequer falavam inglês, se reunia para assistir as exibições de filmes italianos para reviver as origens da famiglia e, de alguma forma, matar a saudade de sua terra.

Ainda falando sobre a família de Martin, é importante destacar que seu tio, irmão de seu pai, era alguém envolvido com a máfia, e que constantemente vivia entrando e saindo de prisões. Inclusive, diversos amigos de Scorsese também eram membros dessas organizações, o que o fez poder observar de perto as atividades criminosas ainda que não participasse delas, experiências essas, que teriam grande influência em sua filmografia.

Aos 12 anos de idade, Martin já estava escrevendo roteiros e desenhando seus próprios storyboards, tudo como uma aventura considerada improvável. Até que um de seus curta-metragens lhe garantiu uma bolsa de 500 dólares na Universidade de Nova Iorque, onde se aperfeiçoou como um dos principais mestres em escrever e contar histórias sobre os marginalizados e foras da lei.

Após concluir seus estudos, Scorsese atuou como professor nas universidades da cidade, mas seu sonho de contar grandes histórias fez com que o jovem diretor se mudasse para Los Angeles para perseguir de perto o seu maior desejo. Lá, tornou-se amigo dos principais nomes do momento, como Brian de Palma, Ford Coppola, George Lucas e Steven Spielberg. Todos possuem estilos diferentes, mas compartilham o amor pelo cinema e influenciam diretamente as obras um do outro até hoje, tanto pela amizade quanto pela rivalidade sadia que existia entre o grupo de novas estrelas do cinema. 

Atuando no cenário de filmes médios, Scorsese destacou-se pelo talento em realizar histórias interessantes com pouco orçamento e tempo, habilidade que credita ao produtor Roger Corman, considerado o “Papa do Cinema Pop”. Essa habilidade é o sonho de qualquer produtora e distribuidora, já que precisaria investir pouco para receber de maneira rápida um projeto interessante e razoavelmente capaz de atrair público, como aconteceu com seus dois primeiros filmes “Who’s That Knocking at My Door” e “Boxcar Bertha”.

Claro que seus filmes não eram sucesso entre a crítica, afinal, se tratavam de filmes “B”, realizados com orçamentos enxutos e, na maioria das vezes, com um roteiro bem meia-boca, mas que serviam perfeitamente para Scorsese treinar suas habilidades de direção. E, apesar da maioria das críticas terem sempre categorizado seus primeiros dois filmes como “mais ou menos”, os autores também destacaram como o diretor era capaz de retratar a violência de maneira interessante e surpreendente.

Obstinado a criar sua própria obra, dessa vez contando uma historia relevante para si e com liberdade criativa, Scorsese criou o roteiro de “Mean Streets”. Entretanto, existia um pequeno problema para realizar seu filme: financiamento. 

E foi assim que Coppola veio ao resgate de seu amigo. Apesar do roteiro contar a visão da máfia e do ambiente em que Scorsese foi criado, também conversava diretamente com seu amigo que investiu seu próprio dinheiro para que Martin pudesse realizar seu projeto, tanto pela amizade entre os dois, tanto por acreditar que havia um tesouro para ser transcrito para à tela.

Com 300 mil dólares e a ajuda de seus amigos, o jovem diretor realizou seu filme autoral,  entretanto, algo de mais importante surgiu desse projeto: um jovem ator chamado Robert de Niro, que foi um dos protagonistas da trama, roubou o foco e impressionou com sua habilidade de atuação, marcando o início de uma das principais duplas da história do cinema.

Dizer que Martin e Robert tiveram uma carreira interligada é um eufemismo. Apesar de ambos terem muito sucesso sem trabalharem juntos, a história dessas duas figuras está muito mais entrelaçada do que apenas nos filmes. Os dois cresceram na mesma área de Nova Iorque, e se conheciam desde a juventude, frequentemente indo às mesmas festas e conhecendo diversos amigos em comum. Mas, apesar dessa proximidade, nunca foram amigos até que o diretor o encontrou novamente por meio de De Palma.

Em resumo; o filme foi um sucesso com a crítica e com o público, atingindo sucesso em Cannes e tendo um faturamento de mais de 3 milhões de dólares apenas nas salas. E, após o lançamento do longa, Martin atingiu um novo patamar dentro do círculo do cinema, sendo considerado como figura essencial da nova onda de Hollywood, recebendo diversas ofertas para realizar seu próximos projetos, inclusive o posto de diretor em “The Godfather 2”, posição que rejeitou por preferir retratar a máfia das ruas do que dos grandes Dons.

Mesmo após se tornar uma grife e prestes a completar 81 anos, Scorsese não dá sinais de que deseja se afastar do cinema, seu próximo filme “Killers of the Flower Moon” estreia internacionalmente no próximo dia 6, e os direitos de um livro para seu próximo roteiro já foram adquiridos, tanto por ele, quanto por Di Caprio. E é seguro afirmar que aquela criança criada em frente a televisão e dentro das salas de cinema, continuará a criar obras capazes de inspirar outras gerações, pois em suas próprias palavras a respeito de suas últimas contribuições para o mundo: “Não é sobre realizar uma grande coisa… É sobre continuar e explorar”.