No cinema convencional, as áreas da fotografia, arte, som e até mesmo a montagem, têm como principal função construir a narrativa em função do roteiro. Todas estas áreas atuam como instrumentos de uma orquestra tocando de acordo com seu maestro, o roteiro. Entretanto, existem cinemas alternativos e nichados em diversos cantos do mundo, que fogem de todas as convenções tradicionais de instrumento e maestro, rompendo com a forma e com a própria narrativa. 

Dentre esses, poderíamos falar sobre o cinema iraniano e sua abordagem sutil e poética, mesmo tratando de problemas sociais complexos como a desigualdade, a pobreza, o preconceito estrutural e o fanatismo religioso que estão enraizados na cultura local. Também poderíamos falar do nosso  Cinema Novo, movimento brasileiro que conscientemente rompia com as formas e narrativas do cinema estadunidense, também levantando problemas sociais e dando o protagonismo para alegorias e figuras mitológicas. Mas o movimento que vamos falar hoje é tão diferente e único que nem se enquadra como um movimento de fato, mas, sim, como o conjunto de toda a obra de um diretor que não buscava contar histórias, falar sobre problemas sociais ou tentar encontrar a salvação para seu país: Robert Bresson acreditava que o cinema poderia ser arte por si só, sem a dependência de focar no roteiro, e, sim, que o roteiro deve auxiliar a cinematografia. 

Nascido no primeiro ano do século XX, Robert Bresson aprendeu a andar enquanto o cinema engatinhava, ambos no mesmo berço, a França. Pode-se debater que Bresson desde cedo rompia com todos os padrões estéticos do cinema, sejam eles estadunidenses ou franceses, e seu principal foco: a fotografia era tão importante para o diretor que ele construiu suas obras com a filosofia de que a imagem era suficiente para transmitir uma mensagem e criar as emoções desejadas, colocando todas as outras áreas apenas como adornos em suas obras.

Bresson foi um homem extremamente religioso, que buscava encontrar o significado da vida nas pequenas e grandes coisas, e essa busca por uma verdade pessoal é o que alimenta suas obras; não há sentido ou significado maior em um mundo tão cruel, então não há necessidade de trazer uma moral ou um significado em filmes. Esse pensamento é justamente aquilo que traz um significado em sua obra, não individualmente, mas como um conjunto, pois só em sua totalidade é que há uma sensação de “preenchimento através do vazio”.

Sua primeira obra, “Le Anges du Péché” (1945), bebe tanto disso que até mesmo a cor foi deixada de lado. A fotografia e a montagem permanecem impressionantes até o dia de hoje; o naturalismo e realismo cru transmitidos pela iluminação natural, os cenários reais das ruas de Paris e a utilização de atores não profissionais foram alguns dos elementos que permaneceram nas suas obras desde seu marco zero, bem como o conflito principal da maioria de suas obras:a busca de  significado em um mundo caótico.

A montagem unida à fotografia se tornaram a principal marca de Bresson, a forma da continuidade deixou de ser temporal ou espacial, mas, sim, a emocional, planos desconexos no tempo e espaço encontraram uma união na tela por meio de sua temática por meio das sensações despertadas e o uso magistral de sua técnica fotográfica é a maneira capaz de materializar essa união que ficou registrada na obra de Bresson para a posterioridade.

Sua obra-prima vem pouco mais de uma década depois com “Un condamné à mort s’est échappé” (1956): o plano de fundo é a segunda guerra mundial, na qualum soldado francês capturado é utilizado para, dentre outros temas como a relação do sagrado e do homem, buscar um significado em um momento tão tenebroso quanto o da guerra. A paleta de cores escuras do filme ajuda a trazer a sensação de depressão e convence o espectador de que não há nada de bom em um mundo capaz de criar essas cenas, a opressão e claustrofobia do filme sao criados principalmente pelas escolhas da fotografia e da montagem, a ausência de diálogos e adereços que se tornou a especialidade do cinema bressoniano têm seus melhor momentos neste filme.

A falta de diálogos, de efeitos sonoros das explosões e tiros, de uma trilha heróica, não são capazes de quebrar com a obra tematizada dentro de uma guerra; a crença do diretor na força da imagem e no trabalho da fotografia unida à montagem para transmitir qualquer emoção é tão bem desenvolvida que este filme tão pouco convencional e que desafiava tantos padrões estéticos e narrativos se tornou uma das principais inspirações para o movimento da Nouvelle Vague, que várias vezes tentou capturar Bresson para se tornar sua principal voz. O diretor sempre negou qualquer afiliação com o movimento e buscava destacar que suas obras não poderiam fazer parte das narrativas nouvelle vaguistas pois enquanto diretores como Jean-Luc Godard, François Truffaut e Alain Resnais usavam a realidade crua para debater assuntos importantes e reais para toda a sociedade 

francesa, ele apenas utilizava desta realidade para debater sobre aquilo que era intangível para qualquer sociedade. 

Os filmes de Bresson não são interessantes pela história, pelas alegorias ou pelos problemas sociais retratados, pois todos eles são apenas um plano de fundo, ou uma desculpa, para se realizar cinema, para experienciar com a sétima arte pelo belo prazer estético da imagem em movimento, para utilizar dos dois primeiros elementos do cinema; a fotografia e a montagem. Cada frame da filmografia do diretor é tão bem construída cinematograficamente que são essenciais para o conjunto de sua obra, pois cada elemento na tela se torna parte do filme, porque assim queria o cineasta que apenas utilizava as histórias de ladrões, prisioneiros de guerra e burros para criar suas imagens e apresentar algo impalpável, a austeridade.

Cada cena, cada pedaço de filme de Bresson é o que é, uma mulher sofrendo, um homem morrendo ou um machado atirado no rio, cada uma dessas imagens tem como significado justamente aquilo que está em tela, nada mais e nada além, são apenas combinações de enquadramento e montagem bonitas e com adereços, mas é justamente isso que o torna tão especial. Um diretor que despreza a narrativa, que não se importa com a história, mas sim com aquilo invisível na folha de papel e no mundo, a composição e o sagrado.

Seu legado de 14 longa metragens não é extenso para um diretor que completou quase um século de existência, tampouco é condizente com sua importância para o cinema mundial; nomes como Martin Scorsese, Jean-Luc Godard, François Truffaut, Andrei Tarkovski e Abbas Kiarostami são alguns dos diretores que citam os filmes de Bresson como “uma mudança na perspectiva de se realizar cinema” e diversos elementos de suas obras estão carregadas de referências e homenagens ao diretor francês. Seu legado vai viver muito além de sua pequena grande obra.