“Quando morrer, posso imaginar as palavras de carinho de quem me detesta”, escreveu Rita Lee na sua autobiografia, publicada em 2016 pela Globo Livros. E continua, declarando, com seu humor singular, que “algumas rádios tocarão minhas músicas sem cobrar jabá. Fãs, esses sinceros, empunharão meus discos e entoarão ‘Ovelha Negra’, as TVs já devem ter na manga um resumo da minha trajetória”. Usuária assídua do Twitter, ainda pontuou: “Nas redes virtuais, alguns dirão: ‘Ué, pensei que a véia já tivesse morrido, kkk’”. Sua morte, anunciada em 8 de maio de 2023, aos 75 anos, de fato, gerou impacto imediato por todo o Brasil e além. E em sua vida, fez muito a ser lembrado e reverenciado.

Rita Lee, cujo nome completo era “Rita Lee Jones de Carvalho”, nasceu em 1947, na cidade de São Paulo. Cresceu na Vila Mariana, bairro da capital, vinda de uma família de classe média e descendente de imigrantes norte-americanos (de onde vem o “Lee”, homenagem do pai dela ao general Robert E. Lee) e italianos. Demonstrou interesse pela música desde a infância. Se tornou uma artista multifacetada: tanto na música, como compositora-cantora, sabendo tocar múltiplos instrumentos, mas também já atuou, já foi apresentadora de televisão, escritora e agiu, em várias frentes, como ativista. Foi também filha, mãe, esposa, amiga e muito mais: seus relacionamentos em diversos níveis trouxeram inspiração para muitos da sua arte. Viveu também a ditadura militar brasileira, durante a qual muitas das suas letras foram censuradas, assim como seu comportamento, considerado rebelde e subversivo frente ao conceito vigente na época da “moral e bons costumes”, resistindo com muitos artistas como Gilberto Gil e Caetano Veloso, com os quais nutria respeito mútuo.

Também inspirou um imenso número de pessoas, que a admiram. “Rita Lee foi uma das mais importantes musicistas do país. Esteve à frente de inovações estéticas na música e na sociedade”, afirma Gisele Jordão, professora, coordenadora do curso de Cinema e Audiovisual da ESPM-SP e produtora cultural. E adiciona que ela “foi uma das mulheres que, na linguagem do rock e com uma acidez incrível, esteve em defesa do feminino e da mulher autônoma na sociedade. Na guitarra e nos padrões, Rita foi única. Discutiu tabus, recriou pensamentos, ressignificou a mulher”. Em consonância , Cyntia Calhado, professora do curso de Cinema e Audiovisual da ESPM-SP, e pesquisadora de audiovisual, afirma que Lee esteve presente na sua vida em vários momentos, e que ela representa uma força de resistência feminista nas falas, no comportamento e na música, “sendo uma referência da contracultura, uma mulher que afirmou sua sexualidade, sua liberdade, sua autonomia no mundo”. Em relação ao comportamento, Calhado menciona, como exemplo, quando Lee revelou morar em casas separadas do marido, numa época em que poucas pessoas discutiam ou cogitavam isso. 

Seu impacto e influência atravessam gerações: Lurhana Nabi, de 23 anos, estudante de Medicina e artista de Salvador, afirma que Rita Lee sempre lhe inspirou como pessoa e na sua arte. Sobre ela, diz que Lee possuía “extrema autenticidade à flor da pele, com coragem para ser quem é além dos padrões impostos pela sociedade e sua ousadia na expressão através da música (…). Rita sempre foi atemporal, o mundo não esteve e ainda não está pronto para tamanha singularidade (…)”. Já Pietro Ceccato, estudante de Cinema e Audiovisual em São Paulo e ator, de 19 anos, ressalta que quando pensa na Rita, sua performance como artista na música ia além do canto, mas no conjunto completo de alguém que se entregava totalmente à arte performática.

Assim, é fácil ver que o seu amplo alcance faz todo sentido: com uma carreira que durou décadas, Rita já fez parte de bandas importantes para a história da música brasileira, como Os Mutantes e Tutti-frutti, além de ter transitado por diversos gêneros e subgêneros — como o rock, no qual é pioneira, o MPB, pop rock, disco, new wave, sempre experimentando e expandindo os seus horizontes criativos. Coleciona diversos sucessos, tais como “Ovelha Negra”,  “Erva Venenosa”, “Agora Só Falta Você”,”Lança Perfume”,”Mania de Você”, “Baila Comigo”, “Banho de Espuma”. “Amor e Sexo” e mais; cada um marcando diferentemente suas fases e ajudando a delinear o cenário musical do qual fez parte. 

Para Eric de Carvalho, professor da ESPM-SP, Rita Lee é sua grande ídolo na música brasileira, descrevendo-a como “rebelde, revolucionária, transgressora, moderna, autêntica, roqueira. A padroeira das ovelhas negras”, e acrescenta, “como sempre me senti”, demonstrando o poder de identificação que a cantora provocou na sua jornada. “Fará falta”, afirma Carvalho, ressoando o sentimento que ecoa no coração de milhares de pessoas, que levarão consigo, para sempre, um fragmento da inspiração trazida por essa artista inesquecível.