Não é de hoje que vemos garotas, principalmente adolescentes, sendo difamadas por amar música livremente; ridicularizadas como uma espécie de entidade homogênea e histérica, com paixões descartadas como insípidas e superficiais. Seus gostos são despidos como desimportantes e seus interesses musicais, julgados como apenas atração e desejo por jovens cantores.
Por mais que muita gente ainda se preocupe em desmerecer essas meninas nas redes sociais, o papel que elas têm desempenhado no mundo da música ao longo dos anos não é só essencial, como inigualável.
Quando olhamos para o decorrer da história, a importância dessas meninas fica nítida: A Beatlemania teria dominado o mundo sem todas aquelas garotas apinhadas, fazendo fila para fora dos bares e porões de Liverpool, onde a banda tocou pelas primeiras vezes? Um show dos Rolling Stones seria tão memorável se você apagasse os exércitos de fangirls de suas arenas nos anos 60?
Afinal, foram as garotas que lançaram David Bowie para o estrelato, quando viram potencial no astronauta esquisito do Major Tom, e lotaram sua primeira tour fora da sua terra natal. As mesmas meninas que escolheram o Michael Jackson como Rei do Pop e que antes de todos enxergaram Harry Styles como mais que um garoto de uma boyband.
“Me dê a coisa real”, ele pedia, e nós podíamos dar porque éramos a coisa real. (Pelo menos as garotas eram. Sempre pareceu que as garotas eram mais reais que os meninos, pelo menos no que dizia respeito a Bowie. Parte de ser garoto no universo de Bowie é aceitar isso numa boa.)” – On Bowie, Rob Sheffield
Apesar de tudo isso, essas meninas ainda são muito menosprezadas por aí, até mesmo pela própria indústria da música. E esse menosprezo é um reflexo de uma indústria que despreza o consumidor comum. É uma indústria que acredita que as mulheres jovens, em particular, são incapazes de pensar criticamente, apesar do fato de serem elas que compram os ingressos para os shows, encomendam os álbuns e cultivam comunidades de fãs meticulosamente organizadas muito antes que os compositores conquistem a fama.
Acreditar que o reconhecimento de homens mais velhos representa legitimidade é um mito enraizado no sexismo.
“Quando essas coisas tendem a se popularizar, torna-se uma coisa geek, que se torna uma coisa de menino. E, não, não é. A mídia social não é coisa de menino. Fandom não é coisa de menino, a cultura geek não é coisa de menino, músicos e bandas não são coisas de menino. Você tem todos esses geeks se dando bem agora. Você tem o cara que está fazendo Doctor Who e Steven Moffat está fazendo Sherlock. J.J. Abrams crescendo e fazendo Star Wars.” Conta Dra. Francesca Coppa, professora de Inglês e Estudos de Cinema no Muhlenberg College.
“Você tem todos esses garotos que eram fãs e que agora vão ganhar milhões e milhões de dólares. É a mesma coisa com a música, com as histórias e canções que as fãs escrevem, o incentivo e apoio que dão aos artistas. Novamente, você vê algo que foi inovado com as meninas, se tornando algo muito lucrativo para os homens; e as mulheres são meio que empurradas para fora disso.”
“Meninas são fabricantes de sucesso. Acho que elas são realmente boas em encontrar uma história interessante em uma banda, em um ato, não apenas em termos de qualidade da música, mas em ver todo o pacote ou reconhecer que há um tipo de narrativa diferente que importa. Acho que as garotas tornam essa narrativa interessante e depois organizam, na música, muito da infraestrutura que diz a todos como gostar e entender essa canção, por exemplo. Essas garotas que viram algo nos Beatles que, de início, provavelmente só os próprios Beatles tinham enxergado” Acrescenta Coppa.
As fãs, principalmente nos dias de hoje, com o auxílio da internet e redes sociais, conseguem apoiar seus artistas favoritos das formas mais criativas possíveis, e não poupam esforços; promovem streaming parties para aumentar o número de ouvintes no Spotify, gincanas virtuais para elevar o número de votos populares nas premiações, ligam em massa para rádios pedindo que toquem aquela música que não fez tanto sucesso quanto deveria e até produzem artes diversas divulgando os novos lançamentos do seu ídolo.
Inclusive, a parte nessa história toda que não se pode deixar de lado é a importância dos Fandoms. Fandoms, em outras palavras, são organizações de fãs de um respectivo artista compostos majoritariamente por garotas adolescentes, que servem como uma base de interação entre aqueles que compartilham dos mesmos interesses. Mais que isso, esses grupos têm constituído uma verdadeira relevância social: É um espaço onde aquelas garotas podem conversar entre si.
O que se imagina de primeiro é que as interações são usualmente fúteis, sobre o novo corte de cabelo do Louis Tomlinson ou aquele outro ex-namorado da Taylor Swift – Mas o que vem acontecendo é bem diferente: Os fandoms têm sido usados como ponto de partida para discussões extremamente relevantes, desde racismo, feminismo até as dificuldades da juventude LGBTQ+. Essas bases de fãs vem servindo quase como plataformas ativistas, que informam e unem jovens em prol de um bem comum.
Basta olhar para Rainbow Direction, a enorme comunidade de fãs LGBTQ+ da One Direction, que seguem firme mesmo com os membros em carreira solo. ou então, como essas mesmas fãs se movimentaram nos protestos anti racistas que marcaram 2020. Eles estão iniciando e encorajando diálogos entre si e com ídolos que deixam a velha guarda da indústria musical profundamente desconfortável.
A forma como essas garotas impactaram e ainda impactam o mundo dentro e fora da música é algo que não se pode deixar passar batido, muito menos ridicularizado.
Quando condenamos garotas por amar música intensamente ao invés de celebrá-las, estamos alimentando a misoginia que estrutura uma indústria dominada por homens. Estamos fazendo meninas hesitarem em pegar aquele violão sozinhas, ou entrar em um fórum de fãs de pessoas que pensam como elas, onde relacionamentos florescem. Nós marginalizamos e estereotipamos aquelas que controlam a música popular como ela é agora. Isso não só prejudica as próprias meninas, como faz com que percamos de vista uma geração inteira de artistas que poderiam revolucionar as coisas como as conhecemos hoje.
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