“Nós só queremos dizer, para toda a Europa e todo o mundo: Rock n’ Roll nunca morre!”
Essas foram as palavras bradadas por Damiano David, vocalista de 22 anos da banda italiana, Måneskin, no momento em que a banda recebeu o prêmio pela vitória no (histórico) concurso musical Eurovision no sábado do 22 de maio deste ano pela música “Zitti e Buoni”. O quarteto é formado por Damiano, a baixista Victoria De Angelis, o guitarrista Thomas Raggi e Ethan Torchio na bateria. Os membros se conhecem desde que estavam na escola, formando a banda em 2015, em Roma. Desde então, vêm lutando (de salto, maquiagem, figurinos extravagantes junto de um som inesquecível) para mostrar aos céticos que o Rock N’ Roll ainda está vivo e muito bem, obrigado.
Boa parte do reconhecimento que Måneskin tem hoje veio da sua participação no The X Factor italiano em 2017, onde apresentaram covers das músicas mais amadas do rock internacional, fazendo nome a partir de suas inspirações, que vão de Led Zeppelin à Harry Styles. Sim, Harry Styles também é Rock N’ Roll, a gente vai chegar lá.
A questão é que o quarteto italiano foi adotado pela atual legião de fãs do gênero por terem começado em grande estilo, performando músicas aclamadas, compostas por artistas que pavimentaram a indústria muito antes deles, dando-lhes uma abertura para mostrar aquilo que tinham de diferente e novo logo em seguida.
E quantos artistas não foram abraçados pelo público da mesma forma que Måneskin? Não estou falando somente de grandes reality shows televisionados, mas novos artistas que ganharam voz fazendo covers no YouTube, Vine e Tik Tok de musicistas que a história já conhecia e que nós já amávamos. Ainda assim, a funcionalidade dos covers vai muito além de lançar gente nova ao estrelato, porque o inverso também é válido.
Em janeiro, o artista YUNGBLUD, patrono da Geração Z no que se refere ao “novo” rock, apresentou um cover do clássico Hunky Dory de David Bowie, “Life on Mars?”, como parte de um show virtual em sua homenagem.
Dominic Harrison, sob o título de YUNGBLUD, é um artista pansexual que usa de tudo para lutar pela liberdade sexual, de expressão e de existência ao lado da comunidade de fãs, desde a forma como se porta e se veste (vestidos, unhas pintadas e maquiagem sem limites) até a letra de cada uma de suas músicas, que denunciam desde a cultura do estupro até o desleixo das gerações anteriores com a saúde mental dos jovens de hoje.
Por isso, quando o jovem artista cantou sobre uma esperança marciana para todos aqueles que se sentem julgados e presos à gravidade do planeta azul, seu próprio público se identificou. As propostas não são tão ímpares, a luta do rock pela liberdade permanece, agora liderada por novas vozes. Não só isso, como os fãs de YUNGBLUD que até o momento não tinham conhecimento sobre os artistas que inspiraram seu ídolo, foram buscar sobre Bowie, Lou Reed, Prince, Kurt Cobain, entre muitos outros. Perpetuando o legado tanto do Rock N’ Roll de antes como o de agora, para as gerações que se seguirão.
Mas, se as pessoas não pararam de fazer música, se não pararam de fazer rock e muita gente continua escutando o gênero, por quê são tantos os que afirmam sua morte?
A resposta é mais clara quando você analisa quem são os que martirizam o fim desse estilo musical: são as mesmas pessoas que dizem que Harry Styles não toca rock porque veio de uma boyband e tem como público majoritário garotas jovens, mesmo com canções como “Kiwi”, “Only Angel” e “Carolina”.
Se esperavam um Rock N’ Roll machista, branco, hétero e imutável, esse definitivamente não tem mais espaço nos holofotes. Até porque, rock de verdade nunca foi assim. Primeiro que o ritmo foi inventado por uma mulher negra e queer, Sister Rosetta Tharpe, que uniu a música gospel e acelerou o blues um pouco antes dos anos 40, influenciando Little Richards e Elvis Presley. Segundo que foi (e ainda é) perpetuado por pessoas de todas as classes, tons de pele e gêneros. Até mesmo e, principalmente, nos anos 70, a dita “Era de Ouro” do Rock N’ Roll, todas as grandes bandas de rock eram formadas por bissexuais, pessoas de gênero fluido e/ou homens usando salto alto e maquiagem.
Motley Crüe, o maior exemplo que o rock tinha na época de caras “durões” destruindo quartos de hotel, usavam tangas de látex, saltos de 15 centímetros e maquiagem. Lou Reed foi para a terapia de conversão por ser gay e, mais tarde, escreveu milhares de canções de rock sobre a comunidade LGBTQ+ e os traumas causados pela homofobia. Um dos álbuns do The Velvet Underground foi listado pela Rolling Stone como o 13º álbum de rock mais influente de todos os tempos e era tudo sobre um ex-namorado seu.
Além disso, na primeira onda de Rock N’ Roll nos anos 60, os Kinks tinham Ray Davies, um vocalista abertamente LGBT que também escreveu uma canção popular sobre uma mulher trans (Lola) e teve alguns grandes sucessos que as pessoas ainda ouvem décadas depois. Até mesmo The Who, que fez grande sucesso também nos anos 60, com Pete Townshend no vocal, que mais tarde se assumiu bissexual e não binário. Isso sem nem comentar Stevie Nicks, Siouxsie e, é claro, David Bowie.
Portanto, a conclusão geral é a mesma que a dos membros de Måneskin: Rock N’ Roll nunca morre, mas tem novos rostos e sons trilhando o mesmo propósito de encontrar liberdade e identidade através da música. Assim como seu público, também muda, se tornando cada vez mais aberto, diverso, receptivo e consciente. O Rock N’ Roll não morreu, só saiu do armário.
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