Em 2005, foi lançado o filme Elizabethtown, e sua repercussão fez com que ele virasse alvo de muitas críticas, em sua grande maioria, negativas. Uma das críticas mais reconhecidas feitas nesse período foi escrita por Nathan Rabin, que ficou renomado após sua publicação, já que foi nessa que ele criou o termo Manic Pixie Dream Girl, que rapidamente obteve, e tem até hoje, grande importância no cenário cinematográfico.

A Manic Pixie Dream Girl, baseada na personagem Claire Colburn, interpretada pela atriz Kirsten Dunst no filme mencionado, foi gerada para descrever um arquétipo específico de personagens femininas em filmes protagonizados por homens e, primordialmente, de romance. A MPDG, como foi descrita por Rabin, é uma mulher que existe unicamente na imaginação febril de roteiristas e diretores sensíveis para ensinar jovens homens profundos, excêntricos e sentimentais a aproveitar a vida e seus infinitos mistérios e aventuras.

Kirsten Dunst e Orlando Bloom em Elizabethtown

Mas como identificar uma Manic Pixie Dream Girl quando ela aparecer na sua tela? Fácil. Primeiramente, ela teria interesses e costumes “foras do comum”, que a deixariam mais interessante e única, além de uma visão de mundo totalmente oposta a do protagonista, o que mudaria sua percepção de vida para sempre. Seria, também, extrovertida, puxando conversa com ele diversas vezes, com assuntos empolgantes e gostos que se alinham com os do homem, e muito bonita, mas com algum detalhe em seu físico que demonstre sua excentricidade (exemplos clássicos: cabelo colorido, franjas, roupas e estilos únicos). A personagem tem um ar infantilizado, como se, ao longo de sua vida, tivesse mantido a curiosidade e pureza presente em crianças, mas que acabam sendo perdidas com o passar dos anos. Ao mesmo tempo é misteriosa, como se tivesse sempre uma carta na manga para surpreender seu par romântico. Um dos exemplos mais conhecidos de uma MPDG é a personagem Ramona Flowers, de Scott Pilgrim Contra O Mundo, ou a Margo, de Cidades de Papel.

Michael Cera e Mary Elizabeth Winstead (Ramona Flowers) em Scott Pilgrim Contra O Mundo

Pensando assim, conhecer uma não seria algo ruim, muito pelo contrário, ela é o sonho de todo homem. Mas é aí que está, ela é o sonho de todo homem. A personagem, por ser um mero instrumento para direcionar a história do protagonista para seu objetivo final, assim como inspirá-lo a enfrentar desafios e olhar para a vida com um olhar mais otimista e infantil, não tem uma construção própria muito boa ou completa. Ela é um interesse romântico que vai mudar a vida de um homem deprimido ou sem esperanças, a troco de nada, apenas por querer. Você nunca descobre quem ela é, apenas seus gostos (e as vezes nem isso); você nunca descobre de onde ela veio, apenas onde ela encontrou o homem do filme; você nunca sabe quais são os seus problemas e complexidades, porque tudo que ela faz é lidar com os do protagonista, sendo que ele nunca a ajudou com algo em troca.

Pode não parecer, mas as consequências de um personagem como esse são desastrosas. Além de ser uma escrita simplesmente preguiçosa e sem conteúdo, filmes com o arquétipo podem passar uma imagem e expectativas idealizadas de mulheres tanto para os homens que os assistem, quanto para as próprias mulheres. No primeiro caso, os homens passam a idealizar uma mulher sem conteúdo e um relacionamento que sirva como uma terapia, e propagar em suas parceiras seus próprios ideais, amando-as não por quem são, mas pelo conceito, a ideia delas que inventaram em suas mentes – alguém sem conteúdo que irá mudar sua vida e consertar todos os seus problemas, mas nunca gerar algum ou pedir ajuda com os seus-. Isso causa expectativas impossíveis de serem atingidas, e frustrações quando eles percebem que a mulher não é quem eles querem que ela seja (mas, que culpa têm? os filmes os disseram que a vida era assim). Por outro lado, a mulher que assiste uma MPDG fica com a impressão de que só pode ser especial se ela for “diferente das outras”, gerando um preconceito com mulheres que gostam de coisas populares, assim como rivalidades femininas, e que em um relacionamento ela deve fazer de tudo para amparar o outro, mesmo que este não faça o mesmo para ela.

No filme (500) Dias Com Ela, acontece exatamente isso. O protagonista, Tom Hansen (interpretado pelo Joseph Gordon-Levitt), se apaixona por sua nova colega de trabalho, Summer (Zooey Deschanel), já que descobre que, além de bonita, ela se interessa pelas mesmas bandas e artistas que ele (uau! como ela é única). Mesmo depois dela verbalizar várias vezes que não estava interessada em namoro, ele continua insistindo e se iludindo que estão namorando, ignorando todos os sinais que ela o mandava dizendo que estava infeliz. Quando, por fim, ela decide oficialmente terminar o relacionamento entre eles, ele se irrita, fica destruído, xinga ela para os amigos, e não entende o que fez de errado. O que Tom fez de errado foi idealizar sua parceira, achando que, por ele sentir que ela era o amor de sua vida, ela devia sentir o mesmo por ele, sendo que ela mesma já tinha falado que não. Summer não era perfeita, ela também estava indecisa no relacionamento e fez coisas que não devia, mas são exatamente esses erros que a deixaram complexa e lhe deram um ar de realidade, já que, assim como uma pessoa de verdade, ela erra e se arrepende. Nenhum dos dois tinha a total razão, mas é isso que os torna humanos.

Joseph Gordon-Levitt e Zooey Deschanel em (500) Dias Com Ela

Mesmo assim, muitas pessoas acham que a personagem da Zooey era a errada da história, que ela quebrou o coração do Tom por maldade, mas ela era apenas uma mulher independente com suas próprias vontades. O machismo não estava presente apenas no Tom e em suas expectativas impossíveis, mas também no telespectador que esperava uma personagem perfeita que não erra e que não machucaria o protagonista. Do mesmo jeito que não podemos errar no mundo real, não podemos errar no mundo fictício.

Outro caso parecido acontece em Brilho Eterno De Uma Mente Sem Lembranças. Muitas pessoas caracterizam a Clementine (interpretada maravilhosamente pela Kate Winslet) como uma Manic Pixie Dream Girl, mas, ao meu ver, ela é uma denúncia de como essa construção pode ser prejudicial a uma mulher. Sim, a Clem tem cabelo colorido e interesses foras do comum, é falante, excêntrica, impulsiva e apaixonante, mas os roteiristas deixam claro que ela é muito mais do que isso. Em diversos momentos ela se queixa de que os homens se apaixonam por quem eles imaginam que ela seja, não por quem ela é, e que eles tentam despejar nela seus problemas e receios, mas que ela é uma mulher com seus próprios e não pode viver apenas ajudando o outro. Clementine se mostra, diversas vezes, extremamente independente e que é do jeito que é pois ela mesmo quer ser, não para agradar outros. Ela coloca seus problemas em primeiro lugar e não deixa com que outras pessoas usem ela como um objeto para mudarem suas próprias vidas.

Jim Carrey e Kate Winslet em Brilho Eterno De Uma Mente Sem Lembranças

Nesse filme, que retrata muito bem como é ser uma mulher verdadeira mas tratada como uma Manic Pixie Dream Girl por homens, sua personagem tem uma fala que traduz muito bem como é lidar com expectativas masculinas e ser constantemente idealizada. Ela fala: “Muitos caras acham que eu sou um conceito, ou que eu os completo, ou vou fazê-los se sentirem vivos… Mas eu sou só uma garota ferrada, procurando pela minha própria paz de espírito; não me atribua a sua.”

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