O caminho do inferno está pavimentado de boas intenções.

A frase acima poderia ter sido dita por Karl Marx (e foi) ou por Midoriya, protagonista de My Hero Academia, mas, além de ele ser um personagem de anime para adolescente e representar a força do protagonismo, ele está inserido em uma cultura relativamente ocidentalizada, assim como nós.

O dia das mães é uma data fofa, sua propaganda é carinhosa, mas pode reforçar um controle em que os filhos se tornem uma entidade dos pais – algo visto e vendido como forma superior de amor. Mas que amor é esse que, se elevado um pouco, sufoca?

Mas tracemos uma linha aqui. Esse começo de texto se apresentou com o posicionamento contrário a um mundo melhor, onde espero que o leitor tenha percebido que é irônico, prosseguiu com uma frase pronta, mencionou uma figura histórica, um personagem de animação japonesa e, para o terror das professoras de redação, mudou abruptamente de assunto sem o uso de conectivos, falando sobre dia das mães e problematizando com a imagem que a relação materna carrega.

Certo, explico. E explico, sobretudo, sobre a autoria do autor. Existem formas cult de defender o anonimato, trazendo explicações e crenças sobre liberdade, sobre manifestação artística ou o que for, mas a frase que melhor representa é: “contra todas as autoridades, exceto minha mamãe“.

Dito isso, uma breve explicação do que está sendo lido aqui: uma reflexão sobre como o amor materno pode sufocar utilizando momentos de My Hero Academia para exemplificar. E, não, o leitor não precisa ter visto a animação para entender.

Para começo de conversa, Midoriya é o protagonista do desenho e um aluno da U.A., escola de super-heróis, onde ele estuda para se tornar um herói profissional. Para os mais ocidentalizados, eles estão inseridos em uma realidade heroica relativamente caricata, sendo uma espécie de The Boys suavizada.

À medida que os eventos acontecem, os estudantes lutam contra vilões e são colocados em situação de aperto e o Midoriya, protagonista, obviamente possui uma posição central em alguns acontecimentos. Aqui vale traçar um comentário sobre a história: o sonho do personagem, desde criança, era se tornar super-herói, mas em uma sociedade onde a maioria absoluta das pessoas possuía super poderes, de forma anômala, ele nasceu sem. Nenhum poder se manifestou em sua infância e continuou assim.

Sua mãe, enquanto acreditava que ainda podia haver alguma manifestação de super poder, o levava em médicos, especialistas, psicólogos, para entender o que estava acontecendo. Vale destacar também que esse tema não é muito trabalhado no anime, mas um recorte feito para enxergar um problema que é normalizado. Em todas as cenas, sua mãe aparece preocupada com seu filho, querendo o seu melhor, e acredito, inclusive, que o foco seja exatamente esse: mostrar a figura materna presente e carinhosa. Só que uma cena relevante é quando o médico dá o laudo, em definitivo, que Midoriya não tem e não terá super poderes. Em prantos, sozinho com sua mãe enquanto assiste ao vídeo de seu super herói preferido, Midoriya pergunta se ainda poderá ser um super herói, recebendo a negativa da sua mãe como resposta e mostrando, que nos próximos anos, ela sempre o apoiou a seguir uma carreira “normal”, tentando convencê-lo de que estava ótimo ser da forma que era.

Aqui o problema vai além, no entanto, porque se o sonho do Midoriya era um e seguia sendo um, deve-se questionar sobre o desejo iminente de podá-lo com base em crenças pessoais. Seja o desejo e o sonho que for. Fato é que o protagonista seguiu para o exame de super heróis, teve encontros fatídicos que mudaram seu destino (e se quiser saber mais assiste na internet o desenho) e se tornou um super-herói estudante.

Outro momento de valor para o texto é quando sua mãe pede que ele volte para casa e não para a escola após ele e os demais estudantes serem alvos de vilões e se envolverem em uma batalha. Há a imagem automática de que é compreensível que, após ver seu filho sendo alvo de vilões, exista uma vontade iminente de recolhê-lo para o seu cuidado, mas vale a reflexão: a U.A. é a melhor escola de heróis, onde alguns dos melhores heróis do mundo estão, e possuíam um reforço específico contra vilões. Em qual caso ele está mais bem protegido: em um antro de heróis que reforçou sua segurança e deseja manter seus alunos próximos para evitar que sejam alvos de ataque ou em sua casa, fácil de descobrir e ainda mais fácil de penetrar, logo depois de ter tido um alvo em sua testa?

A problematização banal só é banal pois se trata de casos, como já dito, banais. Os próprios exemplos supracitados são muito mais discorridos aqui do que na animação, onde não possuem mais do que segundos de tela, já que o objetivo não é mostrar sua mãe como superprotetora ou dona de um amor sufocante nem que por descuido. Mas o fato é que foi se descolando da imagem que tinha em casa, afastando-se de sua mãe, que Midoriya se conectou consigo. E aqui não é uma carta aberta contra as mães, mas um manifesto por assumir seu próprio lugar – que, de forma alguma, precisa ser oposto ao de sua progenitora, mas precisa estar aberto aos conflitos que surgirão e tentar solucioná-los de forma que não te apequenem.

Entenda a intenção da sua mãe, ao mesmo tempo que entenda que sua intenção não é necessariamente a melhor para você. Entenda que desagradá-la não é um problema e pode, por vezes, fazer parte da solução. Entenda também que não existiu nenhum pedido aqui para desagradar sua mãe por hobby, até porque o problema já seria outro, mas entenda, assim como o Midoriya entendeu, que ninguém é dono por completo de seu próprio destino, mas que é melhor você ser sócio majoritário do que acontece com você do que uma pessoa de fora – como, por exemplo, a sua mãe.

Por isso, mais uma vez e contra um mundo melhor, feliz dia das mães.

Contando algumas histórias nas minhas próprias contradições.