Muito inspirado pelo último texto da Isa, que fala a respeito da americanização dos nossos sonhos de juventude, decidi reassistir a um filme que define, não apenas parte da minha adolescência, mas, também, boa parte da visão de mundo que carrego.
Assim como a Isa já disse: em essência, é difícil se identificar com uma juventude estadunidense. Não apenas porque toda a estrutura escolar e social são diferentes, mas, também, devido à necessidade dos filmes e séries de apresentarem um conteúdo interessante ao público.
Existe muito mais ação na vida de um adolescente de cinema do que na vida de qualquer jovem real; é aí que está o meu ponto favorito da obra que decidi rever: ela é capaz de retratar a realidade de um dia na adolescência, sem nada muito fora do comum.
Com uma narrativa que gira em torno de jovens arruaçando, fumando maconha e fazendo tudo possível para serem os mais rebeldes na frente de seus amigos e perante as autoridades, “Dazed and Confused” é um filme que, a princípio, não parece tratar de nada muito profundo. Nada de errado com isso, afinal, para alguém que cresceu no interior, é bem palpável a vivência extrema dessas situações que, muitas vezes, eram as únicas distrações do tédio de uma cidade sem nada para fazer.
Não que já tenha sido alvejado por destruir o quintal de alguém, mas eu e meus amigos tivemos nossas aventuras das quais não precisamos entrar em detalhes aqui, afinal, esse é um texto sobre o filme e não sobre um grupo de amigos sem nada para fazer e com uma grande criatividade, que muito se assemelhava com o grupo chamado de “nerds” do longa, nem tão nerds assim, apenas não tão populares.
Sua franqueza e autenticidade na hora de mostrar um bando de adolescentes em seu último dia de aula, nos coloca de volta à juventude, tanto pela casualidade dos eventos, quanto pela falta de complexidade nos personagens que, nesse caso, é um grande ponto positivo. Não me entenda mal: pessoas são complexas, mas não conseguimos ver toda a construção de uma personalidade em apenas um dia de aula.
A principal mensagem do filme surge na união dos esforços de uma escola inteira para aproveitar ao máximo um último evento coletivo antes de passarem 3 meses sem muita coisa interessante para fazer. Ou, pelo menos, é aquela que se percebe sem prestar muita atenção no que ela quer dizer além das imagens.
Não foi a primeira ou segunda vez que assisti a esse filme. Para se ter noção, a primeira vez que sentei minha bunda no sofá para assistí-lo, eu sequer tinha decidido qual faculdade iria fazer. Tempos antes de convencer minha família a assinar o Netflix, precisei alugá-lo pelo Net Now. Por mais que, geralmente, um filme perca seu poder de impacto após as primeiras revisitadas, “Dazed and Confused” cresce em mim a cada vez que o encontro, desta vez devido a um motivo ainda mais especial.
Confesso, a primeira vez que assisti ao filme, lá em meados de 2017, achei apenas que era uma coletânea de momentos engraçados e que definiam uma geração que não pertencia, mas, de alguma forma, esse filme se tornou uma espécie de conforto e, sempre que desejo assistir alguma coisa para me sentir confortável e não pensar em nada específico, acabo por colocá-lo na TV. E, de pouquinho em pouquinho, novas camadas foram aparecendo e, ainda que muitas não façam mais sentido nos dias de hoje, outras são extremamente atuais e, provavelmente, sempre serão.
Franca e autêntica, a obra é um retrato coletivo de experiências de diversos pontos de vista e lugares físicos. Assim como ocorre em um dia um pouco mais especial na adolescência que, com certeza, não aconteceria tantas aventuras na vida de uma só pessoa, mas, provavelmente, unindo um grupo de amigos ou até mesmo a sala inteira, encontraríamos histórias incríveis e um tanto absurdas, união, essa, que o filme faz com maestria. Essa coletividade é um dos principais pontos da jornada, mostrando a importância da amizade, não apenas para ter alguém para conversar e experienciar os mais diferentes tipos de aventuras juntos, mas, também, para ter alguém para se defenderem do mundo e, principalmente, dos mais velhos.
Essas pessoas mais velhas são responsáveis por criar e impor limites no mundo e nas vidas daqueles que não enxergam o menor sentido nessas restrições. Mas, muitas vezes, estão apenas querendo o melhor para esses jovens e, de maneira opressora, acabam por tentar decidir suas vidas, ainda que, por meio de pequenas medidas, que impactam diretamente a vida daqueles que estão sob seu guarda-chuva. E essa questão é personificada na relação do treinador e de Pink, ambos lados diferentes de uma mesma moeda.
O primeiro enxerga o potencial gigantesco do jovem, mas acredita que, para alcançar seu potencial e ser feliz na vida, precisa deixar de andar com seus amigos e assinar um contrato que, em teoria, o proíbe de beber e se drogar. E é aqui o principal momento de toda a construção sutil e delicada do filme que, de maneira simples, e até mesmo despretensiosa, apresenta a rincipal escolha de um início de vida adulta: aproveitar o momento para ser feliz ou preparar o terreno para a felicidade?
Por sua vez, Pink faz uma escolha que, mesmo se tratando majoritariamente de uma renúncia, o faz permanecer fiel a quem realmente é. E, veja bem: existem diferentes tipos de pessoas e, como diria alguém que considero um amigo distante, “há apenas dois tipos de visão de mundo: hipermetropia da vida, responsável por fazer com que alguém abdique de todos os prazeres instantâneos e nunca consiga aproveitar o presente, e a miopia da vida, que nunca deixará com que alguém enxergue sentido em abrir mão do presente, por não conseguir ver o futuro.”
E, ao dizer “I may play ball next fall, but I will never sign that. Now me and my loser friends are gonna head out to buy Aerosmith tickets. Top priority of the summer”, por meio de sua miopia, Pink escolhe aquilo que faz sentido para si, não apenas porque quer aproveitar seu momento, seja ele como for, mas também para ser livre enquanto pode, não deixando que alguém coloque freios e medidas em sua vida simplesmente por pensar que sabe o que é melhor para ele ou para seus colegas.
E, apesar de compreender o lado do treinador, que não deseja perder seu principal jogador e ativo, ainda assim é injusto cercear a liberdade daqueles que, mesmo não concordando com regras arbitrárias, ainda desejam experimentar e fazer parte do time. Regras essas que acabariam com algumas das poucas diversões que poderiam ter com seus amigos.
Ainda que teimoso, Pink tem algo que não pode deixar de lado: o fogo da juventude que, por mais que encontre nas medidas autoritárias uma brisa capaz de apagá-la, também poderá servir de combustível para continuar a ser livre pelo tempo que quiser. Tendo, assim, nos melhores momentos de sua vida, o tempo necessário para decidir aquilo que irá fazer em um futuro até agora “distante”.
Existem diversos outros personagens importantes e relevantes, mas sem nenhum protagonista, afinal, nessa 1 hora e 35 minutos de filme, o personagem central não é um estudante do colegial, um adulto ou até mesmo uma criança saindo do ensino fundamental, e, sim, o retrato de um grupo de amigos e conhecidos, que, unidos pelo acaso de estarem na mesma faixa etária, acabam por compartilhar boas histórias. E, ainda que a cada segundo eu esteja mais distante desse protagonismo, não posso deixar de assistir e compreender ainda mais a motivação deles, ainda que não seja um estadunidense.