“A prevaricação consiste em retardar, deixar de praticar ou praticar indevidamente ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.”

(Depois de quase um mês enrolando para ler esse livro, tomei vergonha na cara, fui até o final e não me arrependi).

Uma narrativa com uma proposta inicial simples: Reyna e Kianthe resolvem abandonar suas responsabilidades para abrir uma loja de chás com livraria. A guarda real e a maga viajam pelos territórios até se estabelecerem em Tawney. No entanto, a prática não é tão simples como a teoria. Desafios surgem no caminho do casal, tornando cada vez mais difícil manter suas identidades em segredo.

Com representatividade LGBTIA+ para dar e vender, Can’t Spell Treason Without Tea oferece um lugar seguro em suas páginas para todes.

Não é atoa que me apaixonei pela história. Além da incrível química do casal e a construção de mundo fenomenal, nas notas do autor, Rebecca Thorne afirma ter se inspirado no livro de Travis Baldree, Legends & Lattes, um título bem comentado se você me acompanha no Tik Tok. 

Algo que me chamou a atenção e, inclusive, ajudou para a escrita do meu livro foi o desenvolvimento de personagens secundários. Goosley, o menino que inicialmente queria ser um criminoso para quitar as dívidas do pai, mas acaba sendo contratado pelo casal e possui um arco de desenvolvimento que o faz repensar sobre o que quer. Outro exemplo é Matild, a parteira; sua história nos é contada no começo da história e, quase no fim, é trazida de volta à tona a ponto de se tornar um tópico relevante e determinante no desfecho da história. Esse cuidado faz com que a história se enriqueça e auxilie na construção de mundo.

Falando em construção de mundo, um detalhe que Rebecca adicionou que, para mim, aumentou uma estrela inteira foi a quebra da binaridade de gênero num universo medieval. Ela poderia muito bem ter feito um personagem usar gênero neutro e poderia falar que a cota não-binária estava paga (cof cof sra. Gmails), mas não. A autora criou toda uma justificativa do porquê uma cultura normaliza (e até utiliza mais do que outros) o uso de pronomes neutros.

A sensação de conforto que esse livro me passou não consegue ser descrita em palavras. Com um cobertorzinho, chá quentinho e música ambiente, eu era transportada para Tawney e me sentia parte da história (não preciso nem falar da sensação de vazio e episódio depressivo que tive depois que terminei, né?)

Pessoalmente, eu adorei o livro. Os personagens são cativantes (me identifiquei mais do que deveria com a Kianthe), bem construídos, ninguém está ali de enfeite ou fazendo hora (ou seja, todos têm um motivo para estar ali).  Acredito que algumas descrições poderiam ser um pouco mais aprofundadas (por exemplo, a capa foi mais útil para entender o ambiente da loja do que a descrição), mas precisaria ler os próximos livros para dar a martelada final. Minha única recomendação seria para alguma editora entrar em contato com a autora para negociar uma possível tradução e publicação no Brasil.

Se você estiver precisando de um descanso do cotidiano ou até cansado de histórias fantásticas, prepare uma xícara de chá e prepare-se para uma viagem à Tawney.