“O que me importa são instantâneos fotográficos das sensações pensadas, e não a pose imóvel dos que esperam que eu diga: olhe o passarinho!”
(Clarice Lispector)
Estamos no mês das imagens: 19 de agosto comemoramos o Dia Mundial da Fotografia. O mestre e pensador das linguagens Roland Barthes, no seu livro clássico “A Câmara Clara”, já nos ensinou que o grande fascínio que a fotografia nos oferta é a reprodução ao infinito daquilo que só ocorre uma única vez. Sua análise da bela e clássica fotografia de Robert Mapplethorpe é exemplar: o jovem artista de braço estendido, de sorriso radiante encarna um sugestivo erotismo e convida seu espectador a preencher as ausências da imagem, uma vez que, o corpo retratado está pela metade fora da foto, sugerindo, talvez, que o mais interessante da imagem é aquilo que nela não está: o ver e o sentir pedem pelo imaginar e o pensar.
Susan Sontag em “Sob a Fotografia”, outro livro clássico para se entender a linguagem fotográfica, sugere que fotografar é apropriar-se da coisa fotografada. Significa pôr a si mesmo em determinada relação com o mundo, sendo assim, uma espécie de janela para o conhecimento.
Vivemos um momento em que tudo se transforma em imagem; um excesso que nos fascina e nos perturba, algo que aponta para o atual conceito de iconofagia: as imagens são tão poderosas que podemos dizer que elas nos envolvem e nos devoram. Acabamos por, metaforicamente, ser alimento para elas. Elas buscam, chamam o nosso olhar, elas nos capturam, podendo, muitas vezes, nos aprisionar em nós mesmos. Talvez possamos aproveitar o mês da fotografia para criticamente o poder das imagens.
Podemos começar com uma visita à 9ª edição da SP-Arte/Foto que tem sua abertura na quinta-feira (20) e segue até domingo (23) no Lounge One do 3º piso do Shopping JK Iguatemi, trazendo mais de 30 expositores que trabalham a partir do suporte fotográfico. A movimentação em diversas galerias, museus e espaços dedicados à arte em São Paulo também está voltada à fotografia neste e nos próximos meses.
Uma dica é a exposição “Percursos”, na Galeria Caixa Cultural (Praça da Sé, 111), com trabalhos do fotógrafo Alair Gomes (1921-1992). Com curadoria de Eder Chiodetto, a mostra apresenta uma seleção de mais de 290 registros das séries “Sonatinas”, “Four Feet”, “Symphony of Erotic Icons”, “The Course of the Sun”, “Beach Triptychs” e “A New Sentimental Journey”, além de um conjunto inédito de imagens de atletas de surfe, futebol, canoagem e natação, no Rio de Janeiro, e a série que o fotógrafo fez em 1969, na Praça da República, na capital paulista. Formado em Engenharia Civil e Eletrônica pela Escola Nacional de Engenharia da Universidade do Brasil (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro), Alair Gomes é considerado um dos precursores da fotografia homoerótica no Brasil. O artista se notabilizou pelos registros de corpos masculinos, com forte tom voyeurista, que fez entre 1960 e 1992, a partir de sua janela e na orla da praia de Ipanema.
Alair Gomes criou e coordenou a Área de Fotografia da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio, entre 1977 e 1979, e foi tema do filme “A Morte de Narciso”, de Luiz Carlos Lacerda, em 2003. A última grande mostra dos trabalhos do fotógrafo aconteceu em 2012, na 30ª Bienal de Arte de São Paulo.
Pra refletir: “No fundo a Fotografia é subversiva, não quando aterroriza, perturba ou mesmo estigmatiza, mas quando é pensativa.” (Roland Barthes).
João Carlos Gonçalves (Joca)
Doutor em Linguagem e Educação pela USP; Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor de Fundamentos da Comunicação e Semiótica Aplicada na ESPM.
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