Bandas com estilos musicais nichados e públicos ainda mais nichados atingem poucas pessoas e não são capazes de realizar grandes shows. Certo? Errado.

No último fim de semana, depois de meses sem poder frequentar a um show, tive o privilégio de ir ao último show em São Paulo da banda alemã Blind Guardian, basicamente os fundadores do estilo power metal. Se tiver que resumir para um iletrado nos subgêneros do metal o que é o power metal do Blind Guardian, explique que é uma dose de Iron Maiden com outra dose de O Senhor dos Anéis.

Por mais heterogênea que pareça essa mistura, é como se dão as principais bandas de power metal: guitarras rápidas e pedal duplo, escalas e solos de guitarra melódicos e a temática, de forma geral, sendo algo épico e glorioso. As principais bandas do gênero são, por exemplo, Blind Guardian, cujos 12 álbuns e mais de 30 anos de carreira falam sobre dragões, anões, humanos, reinos distantes e afins, Helloween, que não se distancia muito da temática gloriosa, Avantasia, que também retrata o cenário medieval fantasia, e Angra, banda brasileira que traz a brasilidade ao som do metal e conta histórias épicas tanto de cruzadas, quanto do descobrimento do Brasil.

Mas, afinal, o que o texto tem a ver com hobbits, anões, elfos e brasileiros como diz o título? Nada. É apenas a tradução literal (exceto a parte dos brasileiros) de um trecho da principal música da banda, chamada “The Bard’s Song”, parte fundamental da composição deste texto.

O show em si ocorreu no Terra SP, um local pequeno – apesar de possuir uma das melhores acústicas que já vi – em Santo Amaro com pouco mais de 3.000 presentes, fazendo parte da tour na qual tocaram em Porto Alegre, no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte, duas vezes em São Paulo, Brasília e, por fim, Manaus. Todos os shows mantiveram a média dos três mil presentes, mas Blind Guardian já tocou como headliner de festivais como o Wacken Open Air, principal festival de metal do mundo, que reúne mais de 100.000 pessoas por dia.

Recomendo, veementemente, que assistam no YouTube à apresentação de “The Bard’s Song” no Wacken, onde a plateia canta, do início ao fim, toda a música melódica, com um violão de fundo e Hansi Kursch, cantor do grupo, lidera a plateia a gastar toda a sua voz na lenta e romântica música – sim, em uma banda de power metal. O show no Brasil, por sua vez, não deixou a desejar. As músicas principais, como é o caso de “Valhalla”, “Skalds and Shadows”, “Majesty” e “Lost in Twilight Hall”, foram cantadas do início ao fim, como é de se esperar do público brasileiro, mas Blind Guardian reúne uma paixão nos fãs que não é comum de se ver em todas as bandas.

Angra, Avantasia, Sabaton, Rhapsody e inúmeras outras grandes bandas mundialmente de power metal reúnem fãs, mas poucas como a banda alemã faz, onde o público é fiel ao ponto de saber todas do setlist de cabeça, dos que estavam na grade até os que optavam por ficar no bar e assistindo à distância. Pessoas que foram nos shows do Rio, em ambos de São Paulo e ainda iriam para Brasília acompanhar a banda. Uma pegada bem Iron Maiden, para ser sincero.

Poderia falar até amanhã de Blind Guardian e trazer informações realmente interessantes, como quando gravaram um álbum com uma orquestra na qual todos os efeitos sonoros, como passos, lutas de espadas e diversos outros barulhos, foram gravados pela banda em um castelo abandonado, onde passaram um mês para garantir que estariam bem imersos no projeto, mas o texto não seguirá por esse caminho – um próximo, talvez. Quem ganhará destaque será a banda de abertura, Trend Kill Ghosts, do vocalista brasileiro Diogo Nunes. Uma banda pequena, com poucos lançamentos e sem inovar, mas que faz um arroz com feijão de extrema qualidade.

Não é aquela banda que você olha e fala: “nossa, que som único”, mas nem chega a ser a proposta da banda. O som é genérico, pode-se dizer, mas um genérico de extrema qualidade onde todos os presentes, que assim como eu não conheciam a banda de abertura, aprenderam as letras no primeiro refrão para cantar no segundo e balançaram a cabeça nas músicas, dado o nível de entrega no palco pela banda – sobretudo pelo cantor.

O power metal brasileiro sobrevive e sobrevive sem a ajuda de aparelhos. Um país que entregou ao mundo uma banda como Angra e Shaman, não deixa a desejar quando o assunto é bandas emergentes. A construção de um cenário local é forte, com bandas de garagem não perdendo seu valor e tendo uma perspectiva real de crescimento. É difícil viver de metal no Brasil, mas a qualidade das bandas que emergem fazem crer que esse cenário não está com os seus dias contados – muito pelo contrário.

Por fim, um destaque às novas bandas e que merecem toda a atenção. De vocalistas já conhecidos (e bandas que não são propriamente novas), Shaman, mesmo após a morte de André Matos, segue com tudo, sendo muito bem representada por Alírio Netto e o restante da banda original. Almah é um projeto descontinuado, feito pelo ex-vocalista do Angra, Edu Falaschi, que apesar de não estar com sua banda secundária, merece total lembrança em sua carreira solo, reunindo grandes músicos e produzindo ótimas músicas. Trend Kill Ghosts, como já citada, entra na lista, apesar de menor e mais recente, dada o seu nível de promessa de crescimento, assim como Allen Key, grupo musical liderada por Karina Menascé, exímia vocalista brasileira que merece o seu destaque e ainda será conhecida nacionalmente.

Apoiem o cenário nacional. Ouçam as músicas. Vão aos shows. Apoiem a música brasileira.

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