“Solar Power”, terceiro álbum de estúdio de Lorde, mal chegou nas plataformas de streaming globais e já coleciona quilômetros de críticas maniqueístas por toda a internet, tanto por fãs quanto por redatores de nome. Todos cedem aos mesmos argumentos 8 ou 80: uns clamam em alto e bom som que o novo lançamento da cantora excedeu brilhantemente todos seus trabalhos anteriores, trazendo uma perspectiva madura e enraizada sobre romance, perda e, principalmente, fama; já a segunda parcela dos ouvintes soa decepcionada, alegando que a nova obra não passa de propaganda rasa de uma utopia ensolarada, desbotando as expectativas de um público que esperou anos por um próximo lançamento. 

Para ser honesta, gostaria de poder encaixar minhas percepções de Solar Power dentro de alguma dessas categorias, faria com que o álbum fosse mais fácil de digerir – ainda que esse nunca tenha sido o ponto de Lorde -, mas sou tão fã quanto redatora, e tenho o compromisso de escrever essa matéria como tal: contanto, um pouco dos dois extremos e como minhas opiniões se encaixam no meio de tudo isso. 

A artista neozelandesa sempre nadou contra a corrente. Aos dezesseis anos, estreou a rebeldia de “Pure Heroine”(2013) , seu primeiro álbum, como quem tinha muita coisa para falar e talento suficiente para ser ouvida. A estética crua, comunal e deslocada das suas músicas contavam a história de uma garota que queria se libertar das amarras e do tédio da sua cidade natal junto dos seus amigos, sempre soando como uma compositora muito mais experiente do que sua idade prometia. 

A sonoridade ímpar de Pure Heroine já debutou Lorde como uma artista complicada de ser classificada por um só gênero musical, o que não só garantiu seu lugar na indústria da música, como também conquistou David Bowie como um dos seus patronos, que falava abertamente sobre como acreditava que a jovem artista viria a ser “o futuro da música” . 

Lorde e Bowie

O peso das palavras de Bowie poderia ter assombrado a cantora, que estava só no começo da carreira, mas fez o oposto: inspirou com que Lorde compusesse “Melodrama”(2017), um álbum que a fez ainda maior do que jamais pensara ser. 

O desempenho de Melodrama é crucial para discutir a repercussão de Solar Power, já que foram as expectativas plantadas pelo primeiro que tornaram as opiniões do público tão dicotômicas. Melodrama marcou uma geração com sua aspereza sinestésica, cheio de músicas vívidas e brutalmente honestas sobre um coração partido, o problema da auto aceitação e a  despedida da adolescência. Temas que soariam batidos, se não fosse a Lorde compondo, tornando-o um álbum que faria sucesso facilmente em 2021, tanto quanto fez em 2017. 

Estamos na década do pop punk, da urgência cantada com indignação pela vitalidade que se mostrou tão frágil na pandemia, o que faria com que Melodrama fosse recebido de braços abertos enquanto Solar Power não foi. Em seu terceiro álbum, Lorde não impulsiona a raiva melancólica do predecessor, mas apresenta um som muito diferente de qualquer coisa que já tenha escrito, retomando temáticas de Pure Heroine, com um olhar muito mais maduro. 

Trocando a guitarra e todas as batidas estimulantes pelo som do violão acústico, a artista volta para a casa que tanto queria escapar quando era mais nova e encontra, na sua cidade natal, um refúgio das câmeras e toda pressão acompanhada da fama. Pede para que os ouvintes “passem tempo com quem os criaram” ao invés de reclamar por morar em “cidades que não aparecerão nas telonas”. Há melodias sutis e muito mais naturais, mas Lorde, visivelmente, recusa-se a lidar com a moeda principal do pop moderno, o banger, em favor do eufemismo. É um álbum claramente projetado para ser ouvido na íntegra, totalmente imerso na temática de verão e comunidade, ao invés de uma coleção de faixas para adicionar em uma playlist ou outra. 

Quanto à faixa-título e ao último single, “Mood Ring”, concordo com os críticos mais ávidos: a leveza e tranquilidade montadas tanto nas canções quanto nos videoclipes soa satírica, mas não o suficiente para que pareça intencional. Não vou mentir, a esse ponto estava pronta para me decepcionar por completo com Solar Power. Seria difícil engolir outras 12 músicas que orbitassem por entre uma positividade dionisíaca e orações ao sol depois do caos dos últimos anos. Felizmente, não poderia estar mais enganada. 

Em várias canções, Lorde relembra momentos significativos de sua carreira musical e questiona a si mesma e sua identidade. Na abertura do álbum, “The Path”, ela já supera os singles, escrevendo sobre não querer ser a pessoa que seus fãs procuram para orientação, já que está tão perdida quanto eles, mesmo com toda a maturidade conquistada. Ela aborda seu sucesso meteórico (“Adolescente milionária tendo pesadelos com o flash da câmera”), sua ansiedade (“Não atendo se for a gravadora ou o rádio”) e como nunca pareceu se encaixar (“braço num gesso no museu gala / garfo na minha bolsa para levar para casa para a minha mãe ”).

“Fallen Fruit” é sonoramente a obra prima do álbum, que foi produzido por Jack Antonoff, assim como boa parte da discografia da artista. Lorde canta em um tom baixo e taciturno sobre uma melodia abafada de um baixo leve adornado por uma guitarra elétrica e sintetizadores. O álbum como um todo, passeia por temas semelhantes ao dessa música, com letras sobre escapar dos holofotes, da catástrofe climática iminente, da bagunça de estar online e de você mesmo ao transcender a um plano superior, escritos com uma sutilidade avassaladora que somente Lorde domina. Surpreendendo aqueles que, como eu, pareciam ter perdido as esperanças depois dos primeiros singles. 

Vez ou outra, Lorde ainda parecia segurar algumas coisas, quase como se por cautela ou autoproteção. Essa falta de visceralidade foi responsável por deixar muita gente com o pé atrás com o álbum. Afinal, tudo bem guardar segredos da mídia e dos holofotes, mas guardar tais confissões da própria música parece crueldade, principalmente quando sua carreira é fundamentada em canções brutais e sinceras. 

Ainda assim, toda a sutileza ácida do álbum cumpre o propósito: num momento onde as expectativas do público buscam a gritaria e o imediatismo do punk, com a geração tomada pela ansiedade, Lorde parece dizer “respira um pouco e fuma isso”, nadando contra a corrente mais uma vez e recuperando seu posto de ser uma artista que nem todo mundo está pronto para ouvir. Ela deixa o batom preto na gaveta, joga o celular no mar e homenageia brilhantemente Joni Mitchell e todos os sonhos do folk, fazendo de Solar Power tudo, menos algo simples de definir.

“Acho que é terrivelmente perigoso para um artista atender às expectativas de outras pessoas. Se você se sente seguro na área em que está trabalhando, é porque não está trabalhando na área certa. Sempre vá um pouco mais longe do que você acha que é capaz de ir”

David Bowie

Construindo minha odisseia com palavras que encontro por aí