Nesta sexta-feira 13 de outubro estreia a adaptação audiovisual do pior medo do homem conservador: uma mulher inteligente com opinião.

“Uma questão de química” é uma obra literária que conta a história de Elizabeth Zott, uma cientista genial que, com as curvas que a vida faz, se torna uma estrela de um programa culinário na televisão. 

O maior problema: a história se passa na década de 1960, época em que a igualdade de gênero era uma mera ilusão e mulheres, ainda mais no ambiente científico, não eram bem vistas ou vindas se não fossem secretárias.

Exceto Calvin Evans, o cientista de ouro do Instituto de Pesquisa Hastings e indicado ao prêmio Nobel, que trata Elizabeth como igual e é inegável a química entre eles.

Como a vida é imprevisível como o clima de São Paulo, alguns anos depois Elizabeth se vê cuidando de uma filha pequena com a ajuda de um cachorro inteligente e uma vizinha. 

Às vezes, a linha que nos separa de ser uma estrela nacional é uma criança esfomeada, mas para compreender isso por completo, você ou precisa ler o livro homônimo ou assistir a série.

O programa de Elizabeth, além de trazer pratos nutritivos, tinha o diferencial de trazer uma abordagem mais científica (como chamar sal de “cloreto de sódio”) e trazer mais do que só uma receita, mas uma aula de ciências e uma fagulha para incentivar as mulheres que a assistiam a pensar e repensar seu papel no mundo. Jantar às Seis também é uma manifestação silenciosa contra a subjugação feminina na sociedade patriarcal e machista da década de 1960. 

O quão frágil precisa ser o ego de alguém para se ofender com um programa de culinária dirigido por uma mulher cientista?

Srta. Zott, não Evans

Elizabeth teve sua origem na cabeça da autora depois que a mesma participou de uma reunião e notou ser a única mulher na sala. Bonnie Garmus ficou com aquilo na cabeça e o quanto aquilo se repetiu em décadas passadas, como era sonhar com uma carreira dominada pelo sexo oposto durante a Guerra Fria.

A cientista impõe sua opinião no Instituto de Pesquisa e, se seus colegas de trabalho homens se esforçassem para fazer ciência na mesma vontade que querem puxar do tapete da Elizabeth, já teríamos carros voadores por volta de 1987. 

Pesquisas roubadas, identidade alterada para parecer ser um homem e receber mais investimentos milionários, criticada (e demitida) por ser mãe solteira e assediada inúmeras vezes. Esses são apenas alguns dos constrangimentos que Elizabeth teve que passar apenas no ambiente de trabalho.

O livro traz reflexões importantes sobre as dificuldades da mulher numa sociedade patriarcal tão cheia de preconceitos e como é difícil como mulher ser valorizada no trabalho, pauta (infelizmente) ainda muito discutida hoje em dia.

A escolha de Brie Larson para interpretar Elizabeth Zott foi precisa. A atriz é conhecida por diversos papéis de figuras femininas fortes que batem o pé para defender suas opiniões, com o exemplo mais famoso sendo a Capitã Marvel.

Um plot esférico e nuclear

Nesse livro, ninguém está ali à toa ou para aparecer em um único momento.

A escrita da autora, no geral, é boa. Em certos momentos foi difícil de ler por ser maçante, mas em outros era impossível largar o Kindle antes do capítulo acabar. Elizabeth é extremamente inteligente e não só porque falam, mas porque mostram como a racionalidade está presente até nos pensamentos mais intrínsecos dela.

O motivo de estar separando uma categoria inteira para o plot e escrita é pela esfericidade dele. No final do livro você começa a ver personagens do começo sendo, de alguma forma, relacionadas a um ou mais personagens da trama. Por mais que citem dois padres em momentos diferentes, eles são o mesmo homem. Duas datilógrafas? A mesma mulher. A criação desse núcleo de personagens, como se tudo se passasse numa cidade pequena de 30 habitantes, trouxe diversos plot twists e momentos de realização de “que mundo pequeno” e “como eu não percebi isso antes?”.

Expectativas?

Honestamente, não tenho expectativas muito altas para essa série.

De uns tempos para cá as adaptações estão evoluindo e agradando cada vez mais aos fãs e críticos (só olhar para The Last of Us e Vermelho, Branco e Sangue Azul), mas prefiro não esperar nada para não me decepcionar.

Se mantiverem a narrativa bem escrita como é no livro, não tem erro.

Só peço 4 coisas: remo, empoderamento decente, a não robotização e inexpressividade da mulher racional e a icônica frase ao final de cada episódio do programa:

“Crianças, ponham a mesa. Sua mãe precisa de um tempo para ela.”