“Se a “eternidade” fosse declarada como inexistente
Seria bem solitário e doloroso, não?”
– Clock Strikes (ONE OK ROCK)

A curiosidade sobre a eternidade vem de muito tempo atrás, das primeiras discussões do homem primitivo, quando acima de nossas cabeças havia uma vastidão de estrelas visíveis e não apenas os 5 pontinhos luminosos que vemos atualmente sob São Paulo.

Independentemente de etnia, credo ou atuação profissional, todas as pessoas já se questionaram, pelo menos na intimidade das suas cabeças, se acredita em vida eterna, se há algo antes do big bang ou depois de afundarmos na terra. Mas, no fim, quando falamos de eternidade, o principal conceito que estamos trazendo à tona é ele: o tempo.

“Se a gente conseguisse perceber que devemos acreditar
Que um mundo onde “eternidade” se aplique não é só um sonho
Mas sim o tipo de mundo que deveríamos desejar.
O que teremos?”

Em desistir é um ato de coragem, a Juca traz a reflexão de que “a esperança pode ser linda, sim, mas linda como foi Narciso e nos prender às margens de um rio cuja única saída é o fundo”. Ter esperança, acreditar e outras questões que movimentam mais o metafísico de um achismo do que a busca pelo conhecimento são, como a própria Juca trouxe em seu texto, ideias extremamente populares porque são lucrativas, acima de todo o resto.

E, de fato, isso é um problema.

Em contraponto, a esperança de Clock Strikes traça um paralelo interessante com a visão de utopia trazida por Eduardo Galeano, quando ele afirma que ela serve não para ser atingida, mas sim para fazer com que ele não pare de caminhar. Tal comparação conversa, também, com o exemplo poético da esperança com Narciso.

Assim como a esperança capitalizada e lucrativa para as grandes empresas pode “nos prender às margens de um rio cuja única saída é o fundo”, a esperança de Galeano com ONE OK ROCK poderia nos libertar de tal forma que, mesmo percebendo que o nosso caminho é o fundo do rio, conseguiríamos aproveitar o percurso. À medida em que a nossa respiração fosse ficando mais fraca por nos aproximarmos do fundo, não sentiríamos o desespero causado pela óbvia percepção de que a luz do Sol que bate no rio está se esvaindo.

Aplicando à eternidade e traduzindo a estrofe (já traduzida do japonês), o que deveríamos é agir como se tudo o que construímos fosse durar para sempre. Se vai durar ou não, já é outro assunto e que não deve mudar em nada a direção que tomamos.

“Acredite que o tempo é sempre para sempre
E que sempre estarei aqui, acredite até o fim
Eu não vou embora e não vou dizer nunca
Não precisa se preocupar
Pode acreditar nisso até o fim”

Por trás do jogo de palavras incrível da banda japonesa, que ficou bom até aplicado ao inglês e também traduzido ao português, tem alguns pontos que podem ser refletidos.

Primeiro, o cantor Taka nos diz que o tempo é sempre para sempre e afirma que estará sempre aqui, dizendo que podemos acreditar até o fim. A contradição presente em acreditar até o fim em algo que é eterno se apresenta como um paradoxo, mas logo depois fica ainda mais complexo, quando ele nos fala que não irá embora e que não dirá “nunca”, reiterando para acreditarmos no que diz até o fim.

Complexo, mas não complicado, se resgatarmos um conceito e trouxermos outro para a nossa discussão.

Na estrofe anterior e nessa, o tempo não é apresentado como algo eterno, apenas é dito para acreditarmos que ele é eterno. E isso nada tem a ver se ele é ou não. Até aqui, tudo certo. Mas quando ele diz que não irá embora e não dirá nunca, o interlocutor ganha uma proximidade que não havia sido deixada clara nos trechos anteriores. Não precisar se preocupar com a finitude da sua presença é o ponto-chave para uma compreensão do porquê ele não dirá nunca: porque não importa. E o que deixará essa questão mais clara é o segundo conceito base desta reflexão: o amor.

Na Grécia antiga de Aristóteles e Platão até a Judeia de Jesus Cristo, o amor tem tido profundas e diferentes concepções. Para um, o amor é desejo. Para o outro, o amor é o que sentimos quando encontramos aquilo que fomos feitos para encontrar. Mas para essa reflexão (e também para Jesus), o amor se dá por meio de nos alegrarmos incondicionalmente com a alegria compartilhada do outro, daqueles que amamos.

O amor ultrapassa barreiras físicas e mentais, já tendo sido diagnosticado como doença (paixão, do grego pathos, que significa dor e sofrimento) e estudado em suas formas de manifestação por diversos campos do conhecimento.

Por amor, alguns ganham razão para viver e outros para morrer. Quando estamos com pessoas que amamos enxergamos os arredores com novas lentes. Por amor, olhamos em volta para proteger as pessoas amadas e por amor nossas ações passam a ser mais medidas em suas consequências. E, também por amor, Taka diz em Cock Strikes que não irá embora e não dirá nunca, mesmo ciente da sua finitude, por ter forças para acreditar que o tempo será sempre para sempre enquanto ele durar.

Além das imagens, Interestelar, filme que contou com curadoria de perto do maior físico da atualidade, traz uma afirmação – apesar de poética – que corrobora com a visão de ONE OK ROCK.

“O amor é a única coisa que transcende o tempo e o espaço”
– Dr. Amelia Brand (Interestelar)

“Vamos declarar a “eternidade” como inexistente então
Quantas esperanças e sonhos irão morrer?
Enquanto eu tento imaginar o desespero sobre coisas não existentes
E a crueldade das coisas que de fato existem,
Isso faz com que eu queira parar a mão que vira as páginas.”

Mudando o foco de uma obra para a outra, a estrofe acima ilustrará a discussão que Interestelar nos permite fazer. A eternidade foi declarada como inexistente porque tudo estava perdido, já que a Terra havia chegado em seu ponto sem retorno — ou seja, igual estamos atualmente. Não ironicamente, o filme retrata consequências reais que teremos, como a perda da maior parte dos grãos, alterações climáticas drásticas, o retorno de doenças e tempestades de poeira.

Muitas esperanças e sonhos foram mortos, como quando o filho do protagonista Cooper foi proibido de cursar engenharia e entrar na faculdade, como desejava, porque o mundo estava precisando apenas de agricultores. De forma quase profética (porque Clock Strikes foi lançada antes do filme), Interestelar nos mostra a previsão da música de que se não houver esperança na eternidade dos fatos enquanto eles durarem, a crueldade da vida que vivemos sobressair-se-á e muito perante as coisas boas que nos fazem seguir em frente.

E quem se apresenta como uma alternativa para a dor de uma realidade dura é ele: o amor. Não deixamos de amar porque achamos que poderemos, talvez, nos afastar das pessoas amadas, assim como não devemos deixar de defender o amor mesmo nos tempos mais difíceis, em que o peso da realidade pareça cair sob os nossos ombros com a dureza de um Universo que realmente não está nem aí para o que esperamos dele.

Devemos perceber o mundo em sua realidade majoritariamente cruel e é exatamente sob a lente do amor que essa percepção se dá na sua forma mais profunda. Olhamos para a nossa dor, sentimos o sofrimento dos caídos ao nosso lado e encontramos forças para dar um passo adiante, contra as forças da Natureza e os grilhões da sociedade que nos acorrentam na inércia de uma compreensão apática acerca de quem somos.

Se paranoia é a consciência aguda da fragilidade da vida, como diria o Pondé, o amor é a salvação encontrada em olhar para o buraco, ele sorrir para você e você sorrir de volta ainda mais forte.

“Nossas maiores realizações não podem ficar pra trás porque o destino está acima de nós” – Cooper

Contando algumas histórias nas minhas próprias contradições.