Por toda sua vida e mesmo após a morte, Michelangelo Merisi da Caravaggio manteve uma reputação como o rebelde temperamental da história da arte. Surgindo em Roma nas últimas décadas do século XVI e chocando o mundo com suas rixas polêmicas e pinturas nem um pouco convencionais.
“Ele foi em muitos sentidos o primeiro artista moderno, o primeiro a proceder não por evolução, mas por revolução”, escreveu o pintor e crítico inglês Roger Fry em 1905. Mas o que das obras de Caravaggio fez com que ele se tornasse tão excepcional no meio artístico ao ponto de fazer sua relevância transcender a história até a atualidade?
Em meio a sua vida tumultuada (para dizer o mínimo) e uma carreira que durou menos de 20 anos e produziu cerca de 80 a 90 telas, o pintor italiano explorou novas formas de ver que desafiaram a realidade da época. Formas estas que ressignificavam o uso do elemento da luz na arte.
A estratégia revolucionária usada por Caravaggio é conhecida como “Chiaroscuro”, o “tenebrismo”, que redescobre a dinâmica que contrasta luz e sombra sob o pincel. Suas pinturas eram de um realismo dramático que trazia escuridão e profundidade ao mesmo tempo que assimilava a luminosidade natural de uma forma única e crua.
Essa técnica desafiou o mundo artístico que, na época, vivia a alta renascença tendo suas pinturas devotas a beleza ideal, perspectivas lineares, composições equilibradas, cenários complexos e exagerados, obras que num geral serviam para enfatizar as habilidades do pintor. Ele “preferia pintar seus temas como os olhos os vêem”, escreve a Fundação Caravaggio, “com todas as suas falhas e defeitos naturais, em vez de como criações idealizadas. Essa mudança da prática padrão e do idealismo clássico de Michelangelo foi muito controversa na época… Seu realismo foi visto por alguns como inaceitavelmente vulgar.”
Apesar de sua vida “profana” e as constantes críticas que recebia, as pinturas de Caravaggio evidenciam espiritualidade e ilustram exatamente a paixão intensa que a Igreja Católica queria usar para estimular os fiéis no período da contrarreforma. Sua popularidade possibilitou encomendas de patrocinadores ricos e, por um tempo, a fama como pintor mais famoso de Roma. Ele ainda influenciou Rubens, Rembrandt e Velázquez – É possível que todo o período barroco na história da arte europeia não tivesse existido se não fosse por ele.
Caravaggio pintou a vida que via e a vida que acreditava, suas figuras eram pessoas comuns que poderiam ser encontradas nas ruas da cidade. Até o próprio Caravaggio, apesar de seu talento, também era uma pessoa comum, desmentindo qualquer estereótipo de gênio trágico e torturado. Suas obras impõem a beleza da falibilidade humana e o poder de nos lembrar sobre a dramaticidade da vida. Sua luz viajou centenas de anos sem que se apagasse uma vez sequer, e permanecerá dessa forma por muito tempo.