Recentemente, acabei a leitura de Circe, um livro de Madeline Miller. Já escrevi um texto sobre essa autora quando falei de A Canção de Aquiles. E apesar de não ter gostado desse livro, resolvi dar uma chance a Circe, um livro que teoricamente não se enquadraria no meu incômodo com o primeiro: a presença exclusiva de personagens masculinos. Mas foi aí que surgiu outro problema: Circe conta a história de uma ninfa filha de Hélio, o titã do Sol, que se apaixona por um mortal, mas acaba perdendo seu amor para outra ninfa mais atraente. Com essa crise de ciúmes, Circe amaldiçoa a outra ninfa, criando um monstro terrível e, por iss,o é exilada por Zeus à ilha de Eana pelo resto da eternidade.

Quando chega na ilha, deve-se levar em conta que a personagem já teve três grandes homens em sua vida: seu pai, seu irmão e o mortal que amava. A relação com seu pai sempre foi terrível, visto que ela era a filha menos talentosa e menos amada. A relação com seu irmão era incrível, até o momento que não era mais oportuno para ele ter essa amizade. E não preciso comentar muito sobre a relação com o mortal que a trocou por outra ninfa e a humilhou na frente de todos. Assim, esses três relacionamentos ajudaram a moldar sua personalidade e acabam retornando em diversos momentos da história como traumas que ela possui.

Por ser imortal, Circe passa décadas presa na ilha e tem contato com pouquíssimas pessoas durante esse tempo. Sua história é contada passando pelos momentos em que ela encontra alguém, seja algum visitante na ilha, ou na vez em que ela sai para salvar a vida de sua irmã durante um parto. O problema é que toda a sua história é contada em torno dos homens de sua vida: o começo é na família, até o seu primeiro amor, e depois mostra todos os amores, casos e decepções que ela teve ao longo do tempo. Ela não tem um relacionamento saudável com nenhuma mulher ao longo do livro e sua vida foi a respeito dos homens ao seu redor. Que mitologia grega é machista não é novidade, mas escrever uma personagem forte com poderes, sabedoria e imortalidade, que vive para agradar e correr atrás de homens o tempo inteiro é decepcionante.

Não adianta escrever um livro com uma protagonista forte, sendo que o livro não passaria no Teste de Bechdel se fosse um filme. O teste é um método de questionamento de filmes que analisa se o filme possui pelo menos duas personagens femininas que conversam uma com a outra sobre algo que não seja um homem. Como dito anteriormente, Circe não possui um bom relacionamento com nenhuma mulher do livro e todas as conversas que ela tem com essas são a respeito de algum dos homens da narrativa. Crescemos, brigamos e lutamos por representatividade, mas representatividade não se trata apenas de ter mais protagonistas mulheres, e, sim, personagens fortes e independentes em posições diferentes de mãe, esposa ou amante.