Em 2002 o cineasta russo Aleksandr Sokurov nos surpreendeu com o seu poderoso filme “Arca Russa”, registrando uma travessia histórica de três séculos da cultura russa em um único e emblemático espaço: o Museu Hermitage em São Petesburgo.

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A Câmera de Sokurov passeia pelas 35 majestosas e monumentais salas do museu, com uma peculiaridade instigante: filma com uma câmera digital de alta resolução em um único plano-sequência. Nos quase 100 minutos do filme não há um único corte. Atores e milhares de figurantes, representam épocas diferentes, do Renascimento à Modernidade. Entre a idealização e a finalização do projeto passaram 15 anos.

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“Arca Russa” é um filme obrigatório para todos que amam o cinema e as artes, não só pela maneira como foi filmado, mas, sobretudo, pelo seu rigor estético e pela beleza e poesia das suas cenas.

Agora, a câmera de Sokurov invade um outro templo da Cultura e da Arte, o Museu do Louvre em Paris. Trata-se do também belo e magistral “Francofonia – Louvre sob Ocupação”, filme de enorme sucesso no Festival de Veneza 2015, que acaba de estrear em nossos cinemas.

Trata-se de uma impactante sinfonia visual que narra de modo metalinguístico e poético, trechos da história do Louvre e da França, sobretudo durante a ocupação alemã. Não estamos diante de um filme meramente político, muito pelo contrário; o que vemos é um ensaio audiovisual que casa com maestria poesia, alegoria e digressões temporais, nos colocando frente a frente com observações instigantes sobre arte e cultura.

Personagens reais como Napoleão Bonaparte, desenhado com um louco e narcísico representante do universalismo revolucionário, dialogam com personagens metafóricos como a musa Marianne, que passeia-dança pelo museu repetindo o lema Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

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Outro ponto que merece atenção é a perfeita colagem de imagens históricas reais, pesquisadas em arquivos, que dialogam com as belas imagens criadas pelo cineasta; uma aula de edição e de cinedramaturgia.

Felizmente, “Francofonia” não é um filme para ser contado, dada a inteligência da sua narrativa. É uma obra para ser vista e fruída com vagar, como deve ser a recepção de toda obra de arte. Mais uma vez, Sukorov nos presenteia com uma atualíssima e pungente criação que atesta sua poética de artista preocupado com seu tempo e ciente de que a Arte é uma poderosa arma contra a barbárie política e cultural que atinge a história da humanidade.

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João Carlos Gonçalves (Joca)

Doutor em Linguagem e Educação pela USP; Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor de Fundamentos da Comunicação e Semiótica Aplicada na ESPM.

 

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