Fleabag, série criada, dirigida e protagonizada por Phoebe Waller-Bridge, foi lançada em 2016 e, depois de conquistar um público gigantesco, se encerrou em sua segunda temporada em 2019. A série é uma comédia ácida sobre uma jovem tentando superar os diversos problemas que não param de se acumular em sua vida. Por essa discrição, muitos podem pensar ser algo superficial ou similar a várias outras produções, mas não é. Fleabag é uma obra sem igual. 

(Muitos spoilers a partir de agora!!!)

A protagonista, sem o nome citado durante toda a série, traz traços de personalidade que todos possuem mas tem medo de mostrar: ela não tem empatia por ninguém, nem consigo mesma, é insegura e, claramente, não sabe lidar com seus problemas. Por não termos seu nome, a personagem é chamada de Fleabag, que traduzido do inglês, é como se referir a uma pessoa imoral e sem pudor. 

Ao longo dos episódios, percebemos a dificuldade que Fleabag tem em lidar com o luto por sua mãe, que faleceu devido a um câncer de mama, e por sua melhor amiga, atropelada por um ônibus, acidente que ela acredita ter sido sua culpa. Além disso, a raiva por sua madrasta, melhor amiga de sua mãe e que se aproveitou de um momento de sensibilidade de seu pai para ficar com ele; sua relação complexa com sua irmã e com seu pai; seu ódio pelo cunhado; seu relacionamento dificílimo com si mesma; e, obviamente, toda a situação com o padre. 

A personagem e as situações que ela é obrigada a passar nos fazem criar uma relação extremamente próxima, além do fato da constante quebra da quarta parede e a comunicação direta com o público. Aliás, esse é um dos pontos altos da produção. É um exemplo de perfeição no uso e interpretação da ferramenta de atuação. Durante diálogos com outras personagens, Fleabag nos faz comentários perfeitos para criar um ambiente humorístico e ao mesmo tempo obscuro por sua falta de consideração com os outros. 

Outro ponto sobre isso é o fato da consciência do uso da ferramenta. Quando Fleabag olha para a câmera e solta suas críticas e julgamentos, supostamente as outras personagens não deveriam notar algo, e a maioria realmente não nota, exceto o padre. O padre entra como principal interesse romântico em sua vida e, por motivos óbvios, é uma situação complexa. 

Desde o primeiro episódio, nos deparamos com a conturbada vida amorosa da protagonista. Assistimos o término de um relacionamento estranho com um homem carente; alguns casos de uma noite e finalmente  the priest! Com o casamento do pai e da madrasta, foi chamado um padre para a cerimônia e todos foram o conhecer em um jantar. Neste jantar, temos uma das top 3 frases icônicas da série. Fleabag está acostumada com as pessoas não se interessarem por ela, então se vira para a câmera e diz: “No one’s asked me a question in 45 minutes”, mas ela nem termina de falar e o padre vira para ela e diz: “So what do you do?”. Todos na mesa ficam em silêncio, ao mesmo tempo por não esperarem a pergunta direcionada a ela e esperando sua resposta. A partir deste momento, cria-se o clima com o padre. 

Depois de muito negar o interesse crescente entre os dois, eles finalmente ficam juntos. No dia do casamento, enquanto se beijavam, o padre sente uma euforia e cria a brecha para mais uma das frases icônicas ditas por Fleabag: “Is it God or is it me?”. Mas, apesar de parecer estar tudo bem, ele ainda é um padre e não pode ter envolvimentos amorosos, então tudo desanda novamente. 

Para não contar toda a história, vamos pular para a última frase/diálogo icônico e momento da série em que seu coração despedaça completamente! Depois do casamento, em um ponto de ônibus, Fleabag fala para o padre: “I love you”. E como resposta recebe: “It’ll pass”. Sim. Um tiro no coração. Em seguida temos uma das cenas mais emocionantes da série, mas só assistindo para saber.  

Além disso, outro acontecimento comovente na história é o desenvolvimento do relacionamento entre Fleabag e Claire, sua irmã. Claire também teve muitos altos e baixos durante a história e precisou do apoio de sua irmã que, apesar de não serem próximas, teve que se fazer presente. Elas tinham seus problemas e assistimos gradualmente uma conexão ser criada a partir dos impasses e  através dos obstáculos.

Presenciamos toda essa jornada, sentimos tudo com a protagonista e, apesar de tudo, acompanhamos uma grande evolução pessoal. É uma série linda, que causa emoção em quem assiste e nos traz uma espécie de pertencimento e identificação. A Fleabag não é uma pessoa exemplar, suas ações são questionáveis e dificilmente as pessoas gostariam de se identificar com ela. Porém, justamente por ela mostrar tudo que tentamos esconder sobre nós mesmos, é criado um ambiente confortável para nos permitir sentir. 

Apesar de ser uma série para todos assistirem, eu recomendo muito mulheres passarem por essa experiência. Diversos eventos que ocorrem em sua vida são comuns nas nossas também, é quase como um espelho. Inseguranças impostas por padrões de beleza, vulnerabilidade em relacionamentos, relações familiares e crises de identidade. Todas passamos e passaremos por muitos desses cenários e é reconfortante ver que não estamos sozinhas. 

Fleabag, a série, é uma obra de arte. Quem assiste e gosta, cria um vínculo profundo com a personagem e facilmente se afeta por qualquer citação. É realmente um modelo de roteiro e entrega para um projeto, perfeitamente executado por Phoebe Waller-Bridge, que teve a oportunidade de transformar sua peça, um monólogo da Fleabag, em uma adaptação para a Amazon. Uma produção obrigatória para todos assistirem.