Depois de anunciar seu sétimo filme com o maravilhoso pôster pintado, mostrando Jennifer Lawrence arrancando e entregando o próprio coração, Darren Aronofsky nos deu mais um gostinho do que será mother!, que conta também com Javier Barden (Onde os Fracos Não Têm Vez, Biutiful), Ed Harris (Uma Mente Brilhante, Westworld) e Michelle Pfeiffer (Scarface, Batman: O Retorno) no elenco. O novo terror psicológico do diretor tem estreia marcada para 15 de setembro nos EUA e 23 no Brasil, além de ter sido selecionado para concorrer pelo Leão de Ouro no 74º Festival Internacional de Filmes em Veneza, que ocorre entre o final de agosto e começo de setembro.
O longa contará a história de uma jovem mulher (Jennifer Lawrence), que acabou de se mudar com o marido (Javier Bardem) para uma casa de campo. Nela, o marido hospeda um estranho casal (Michelle Pfeiffer e Ed Harris) e eventos sobrenaturais começam a acontecer. O trailer já mostra a evolução na direção e preocupação estética do diretor, sem abandonar as viradas rápidas de câmera e transformações bizarras de algum elemento em cena. Será o primeiro filme do diretor que não contará com a trilha de Clint Mansell, responsável também pelo episódio San Junipero, de Black Mirror e pela adaptação norte americana de Ghost in the Shell (2017). Quem o substituirá será o islandês Jóhann Jóhannsson, mesmo nome de A Chegada (2016), A Teoria de Tudo (2014) e Blade Runner 2049 (estreia em outubro deste ano).
Mesmo que Aronofsky tenha aparentado ser mais um diretor norte americano com sérias dificuldades de lidar com altos orçamento no seu épico bíblico Noé (2014), o mesmo pode ser considerado um dos que melhores sabem se virar na situação inversa. Então pegue seu caderninho de Semiótica porque ele entende sobre como colocar conteúdo em filmes quando a verdinha está escassa: por meio de símbolos.
Produzido com $60.000 e com faturamento de $3.200.000, Pi (1998) chamou a atenção da crítica para o até então estreante diretor. Os temas surreais e perturbadores de seus filmes começam a despontar, assim como os temas místicos e religiosos. Com fortes influências de Um Cão Andaluz (1929), o suspense psicológico conta a história de Max, um matemático vítima de distúrbios, fortes dores de cabeça, alucinações e ansiedade social, ao passo que se relaciona de maneira incomum com seus vizinhos. O longa desponta o diretor na internalização dos personagens protagonistas ao apresentar a mente descontrolada de Max. Perde-se a noção do que é sonho, alucinação ou realidade.
Réquiem para um Sonho (2000) continua com a abordagem surrealista e mórbida. Ainda mais niilista e perturbador que seu primeiro trabalho como diretor, o longa sofreu severas críticas negativas no seu lançamento, alguns se surpreenderam com as imagens explícitas e controversas mostradas em tela e outros julgavam o filme como moralista devido a forma como aborda as drogas. Réquiem para um Sonho se utiliza das drogas apenas como mais um assunto a ser discutido, mas narra na verdade a decadência do Sonho Americano, este que não se limita mais à “casa, família e emprego”, e sim aos diversos desdobramentos que foram apropriados e agregados ao conceito. Os quatro personagens principais possuem ambições motivadas por desejos supérfluos ou enraizados nos valores tradicionais da sociedade, estas que levam todos eles aos diversos extremos de onde a moral (ou a falta dela) podem nos levar. Todos os quatro destinos são apresentados na extraordinária sinfonia final de horror, a qual por si só torna o filme pertencente ao gênero.
No âmbito narcótico, o filme se enquadra como “moralista” apenas se olharmos para ele de maneira extremamente literal e atentando-se apenas à heroína utilizada por alguns dos personagens. Tal quadro muda no ponto em que o longa apresenta o tratamento extremamente errôneo com as drogas na sociedade contemporânea eurocêntrica, na qual as de “interesse de indústria farmacêutica” são protegidas e até incentivadas, enquanto as ilícitas são tratadas com intolerância, indiferença quanto ao uso seguro e consciente (redução de danos) e violência sobre os usuários.
Seu terceiro longa, Fonte da Vida (2005) é a melhor obra do diretor e exemplifica como Aronofsky não compromete a qualidade de seus filmes pelo baixo orçamento. Por mais que tenha custado bem mais que Pi ($35.000.000), pareça brega e não tenha dado retorno ao estúdio (prejuízo de aproximadamente $19.000.000), sua profundidade e complexidade são impressionantes. Abordando também a nossa percepção acerca do tempo, o longa se divide em três eras diferentes: no século XVI, um conquistador espanhol vai ao Novo Mundo a mando da rainha em busca da Árvore da Vida; no presente, um neurocirurgião busca tratar a doença aparentemente incurável de sua esposa; no futuro, um astronauta voa em direção à supernova Xilbalba (processo de morte de uma estrela) procurando manter viva a árvore que compartilha de sua nave.
Nesse ponto, acredito ter ficado evidente que independente do período, a história é a mesma: o medo da morte faz o personagem seguir cegamente pela materialização da vida eterna. Acima disso, Fonte da Vida é uma história de amor, utilizando-se do romance dos protagonistas para apresentar a luta pela concretização de tal relação, inquietação frente à morte e redenção por meio da elevação espiritual e aceitação das naturezas inevitáveis. Beira o impossível resumir as referências religiosas e místicas as quais o filme se apropria, mas pode-se afirmar que em sua uma hora e meia o longa é capaz de abrir nossa consciência para novas formas de enxergar e se relacionar com vida e morte. Os símbolos visuais são estonteantes e mesmo com o corte de Cate Blanchett e Brad Pitt para o casal principal (devido ao problema de orçamento), Hugh Jackman e Rachel Weisz cumprem de maneira exemplar seus respectivos papéis.
Vale também lembrar que The Fountain também saiu em formato de graphic novel, publicado pela Vertigo Comics após a primeira tentativa do diretor em filmar o longa.
Em 2008 Aronofsky volta às telonas com O Lutador, drama estrelado por Mickey Rourke. Na sua premiada atuação, Rourke interpreta Robin Ramzinski (ou Randy “The Ram” Robinson, como é chamado nos ringues), um lutador incompreendido, obrigado à coabitar com o peso da idade, saúde prejudicada, sua condição de sombra da celebridade que fora nos anos 80, o rejeito da stripper Cassidy (Marisa Tomei) e da filha (Evan Rachel Wood). Sem dúvidas é o filme do diretor mais compromissado com a realidade, e isso é compensado na palpabilidade do drama de Randy.
Grosso modo, diversas semelhanças podem ser encontradas entre O Lutador e o trabalho seguinte do diretor, Cisne Negro (2010). A começar pelo âmbito profissional dos protagonistas, estes que se doam completamente aos respectivos trabalhos. Por mais que esta seja uma característica forte nos personagens de todos os filmes do diretor e passe longe de ser motivo para questionar a criatividade de Aronofsky, é impossível não me atentar à Perfect Blue (1997), longa animado japonês dirigido por Satoshi Kon.
As semelhanças entre ambos os terrores psicológicos ultrapassam a fronteira da pura inspiração. Aronofsky comprou direitos sobre o filme para que pudesse rodá-los (e isso inclui Réquiem para um Sonho) sem roubo intelectual sobre a obra de Satoshi Kon. A adaptação é quase literal e mesmo com o título de “Perfect Blue ocidental”, Cisne Negro não consegue transpôr o terror e os desenrolares psicológicos da personagem com a mesma intensidade do longa japonês.
De qualquer modo, as expectativas para mother! são extremamente altas, podendo ser considerado já um dos filmes imperdíveis do ano. Mesmo que não tenhamos certeza absoluta da qualidade, não é toda hora que podemos contar com filmes inéditos de importantes diretores como Darren Aronofsky.
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