No último dia 23 de setembro, completaram-se 75 anos da morte de Sigmund Freud.
O que teria isto a ver conosco, ainda?
Um pensador que nos diz, entre outras coisas, que viver é trabalhar conflitos; que somos movidos por desejos narcísicos, sempre frustrados; que nossa sexualidade é perturbadora e não está a serviço da reprodução, configurando-se de forma extremamente diversa. Bem, este é um pensador que fala conosco hoje.
Há dois filmes importantes sobre a vida Freud. Um Chamado Freud (1960), de John Huston. O roteiro foi feito inicialmente pelo filósofo Jean Paul Sartre. Mas como o filme resultaria em 8 horas, houve uma briga entre Huston e Sartre e ele se retirou do projeto, de modo que seu nome sequer aparece nos créditos. O roteiro integral de Sartre foi publicado, inclusive em português. Uma das melhores coisas do filme é a atuação de Montgomery Cliff, que encena um jovem e perturbado Freud. O filme acaba quando Freud teria cerca de 40 anos e acabava de firmar as bases da psicanálise.
O outro filme importante é Um método perigoso (2011), de David Cronemberg. Mais improvável que sua direção, são as atuações sensacionais de Viggo Mortensen, como Freud, e Michael Fassbender, como Jung. Este já encontra um Freud maduro, cerca de 10 anos depois de onde parou o outro.
Reconhecido como um dos maiores pensadores do século XX, Freud preserva seu valor exatamente por sustentar um discurso de Ciência Humana, focado na experiência humana e distante dos laboratórios e do modelo de ciência positivista, para o bem e para o mal.
A psicanálise é, sobretudo, clínica e teoria da cultura. Numa época em que volta a ser moda (como no século XIX) a tentativa de reduzir o comportamento e a mente ao cérebro e à química, a psicanálise ganha um valor político e ético.
Ela investe na singularidade do sujeito e de seu desejo, de modo a também recusar práticas normativas ou normalizantes. Um sintoma não é aquilo de que sua mãe, professor ou namorada reclamam em você; mas aquilo que você estranha em você mesmo. Uma estranhesa que nos habita.
Nenhum pensador levou tão longe e à sério esta percepção. Ele se afasta do pensamento simplista que opõe razão e emoção, e mostra como elas se implicam. Não há razão pura ou neutra, ela é sempre atravessada pelo desejo; nosso desejos, por sua vez, tem também sua racionalidade, estranha à lógica adaptativa. Não temos auto-controle, mas também não somos irracionais: apenas, há racionalidades distintas.
Naturalmente, a psicanálise é frustrante a quem esperar dela receitas ou categorias para prever e controlar comportamentos. Afinal, o trabalho dela é justamente denunciar e recusar tais ilusões.
Quem estiver atrás delas (receitas ilusórias), sempre encontrará um livro pseudo-científico para vender auto-ajuda, receitas para se tornar líder, fazer campanhas de sucesso e coisas afins.
Hoje, pensadores como Freud são importantes não só por suas teorias, mas pelo que representam de vida inteligente e respeito pelas contingências da vida.
Pedro de Santi
Psicanalista, doutor em psicologia clínica e mestre em filosofia. Professor e Líder da área de Comunicação e Artes da ESPM.
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