É inegável o fato que The Beatles revolucionou a indústria musical e é umas das bandas mais influentes para o mundo da música. O quarteto de Liverpool trouxe ao mundo 11 álbuns de estúdio em um período de 7 anos, com estilos bem marcantes e diferentes entre cada um. Desde os clássicos álbuns com uma temática mais purista como Please Please Me e With The Beatles até os momentos finais com Let It Be e Abbey Road, os jovens ingleses mudaram por completo saindo da imagem de bons moços, com o corte de cabelo igual para o cabelão e figuras contestadoras.

Esse ano marca o 50º aniversário do sétimo álbum de estúdio, Revolver. O que o diferencia bastante é uma abordagem, completamente nova, do que era usado por eles tanto instrumental como em letras e temas. Por incrível que pareça, os primeiros passos de Revolver vieram de uma “viagem” de John e George com LSD.

Revolver

Era 1965 e a dupla estava jantando com suas respectivas esposas da época, mas um cubo de açúcar, do tipo que a gente não costuma colocar, foi parar em seus cafés. Dessa forma surge a primeira experiência deles com a droga. Como algo que eles nunca tinham visto antes, eles pretendiam mostrar para os integrantes que faltavam, Ringo e Paul, a incrível sensação que era usar o alucinógeno.

Confira uma animação abaixo.

O passado de drogas não era novidade para eles, como foi no caso de Rubber Soul o 6º na lista e que Lennon categorizou como o álbum “mais baseado” deles, pois trazia um aspecto mais pessoal e interior como a maconha fazia com eles. No entanto, o uso de LSD abriu portas para maiores momentos de reflexão da banda a cerca de como eles vinham compondo, a sociedade e a maneira como eles se apresentavam ao mundo.

RubberSoul_1capa de Rubber Soul, 1965. 

No mesmo ano era a vez de Ringo usar a droga e ter uma experiência diferente, como eles descrevem. O ator Peter Fonda, que estava na festa, ajudou George lutar contra um efeito colateral em que acreditava estar morrendo. Além da companhia, Fonda soltou a frase “I know what’s like to be dead” que deu inspiração para a letra de uma música. Ouvindo isso, John começou a pensar em todas as estrofes seguintes e assim, She Said She Said nasceu.

Paul recusou o convite para usar a droga, pois estava em momentos de reflexão e conhecimento de novas religiões e crenças. Ao se deparar com uma viagem espiritual, McCartney sabia que era aquilo que faltava para os outros compreenderem os malefícios da droga. Dessa forma, Lennon foi introduzido ao budismo e a morte do ego, e em alguns dias com o livro Psychedelic Experience: A Manual Based on the Tibetan Book of the Dead, John aparece no estúdio com o que viria a ser Tomorrow Never Knows.

As estrofes iniciais eram a síntese do que ele tinha lido e aprendido com a verdadeira viagem, sem drogas, mas interior. McCartney ao escutar a música, pediu ao produtor, George Martin, que colocasse uma orquestra de monges budistas para dar o tom de espiritualidade que a banda procurava. Como isso não foi possível, a solução estava em efeitos vocais na pós produção e no novo instrumento que George aprendeu a tocar, a Tambura. Ainda não satisfeito com o resultado, McCartney aparece no dia seguinte com inúmeras faixas gravadas de cordas sendo afinadas, só que ao contrário e aceleradas, dessa forma a música parecia transmitir a ideia que ele tanto queria de: transcendência da alma.

original_76

Ringo afirmou, que por incrível que pareça, esse álbum nunca foi gravado enquanto eles estivessem sobre o efeito, isso estragava a música e ficava impossível de tocar quando drogado. Por conta disso, eles tinham as experiências e depois quando sóbrios, iam para o estúdio. Revolver foi o álbum que o quarteto passou mais tempo gravando por conta de inúmeras ideias e novos estilos que eles estavam buscando. O álbum ficou marcado também pela facilidade como cada um dava seu estilo, sem inferência dos outros, em cada música.

april 1966 (1)

Paul trouxe Got to Get You Into My Life, uma versão mais slapping de seu baixo e um ode à maconha, como também For No One, tocada em órgão e que falava sobre seu relacionamento atual. De certa forma, o mais beneficiado nesse álbum foi George que pode tocar mais riffs e experimentar instrumentos como nunca antes. Ele aprimorou sua habilidade com a Sitara e trouxe uma música completamente sua Love You To, sem tentar ser filosófico ou transcender, a letra era uma música de amor com instrumentos indianos.

rs_beatles02-11c3be37-87cc-48f6-babb-7813371ff5d2

Nesse mesmo período, o grupo estava mais politizado e crítico quanto a sociedade, principalmente a americana. McCartney disse em uma entrevista que eles, os americanos, deveriam se envergonhar, pois se diziam cristãos, mas os negros eram tratados como bandidos em qualquer canto do país. Porém, foi uma frase de Lennon que acabou recebendo toda a atenção. “O Cristianismo irá acabar, tenho certeza. Somos mais populares que Jesus agora e eu não sei quem vai acabar primeiro: Rock N Roll ou o Cristianismo. Jesus era um cara legal, mas os cristãos que acabaram com tudo”. Com essas palavras o amor do povo americano caminhava rumo ao ódio eterno.

Passeatas Anti-Beatles se instauravam no país, rádios prometeram fazer um boicote ao novo álbum, fogueiras eram o centro das atenções em cidades para queimar os discos e tudo que remetesse à banda. Porém, o maior receio veio no primeiro show após a declaração em solo americano. Um representante da KKK deu uma entrevista ao jornal local dizendo que se a banda se apresentasse aquele noite, eles iriam morrer.

rs_beatles03-13997a12-b072-4a5d-8ed0-76544fdbd2a3

Mesmo com as críticas vorazes do povo americano, o álbum lançado, sem algumas músicas que poderiam causar mais furor, foi parar na 1 parada do país. No entanto, alguns meses depois dois singles, que pertencem ao original, chegaram ao povo. As duas músicas compostas por Paul foram vistas de duas maneiras, Yellow Submarine e Eleanor Rigby. A primeira foi categorizada como uma música infantil, mesmo que simbolizasse um sentimento anti-guerra, já a segunda não fez sucesso entre o povo do Tio Sam. A música contava a história de duas pessoas bastante solitárias, Eleanor Rigby, uma mulher que não tem esperanças e o Padre McKenzie que escreve sermões que ninguém lê, afinal “No one comes near”. Ao final, ela morre sozinha e cabe ao padre enterra-lá, porém a controvérsia com a música surge com as últimas estrofes em que eles cantam “Ninguém foi salvo”. Essa alegação mais niilista somado às constatações de Lennon trouxeram mais problemas com os americanos.

Seja com opiniões políticas ou músicas de amor, The Beatles mudaram a partir de 1966, mudaram a forma de se vestir, a maneira de encarar o mundo e a sociedade. Há uma separação, quase que completa, entre Revolver e o que viria a ser o quarteto a partir das 14 músicas que mesclam sons diferentes e temas tão fortes. É engraçado imaginar que a mudança começou da maneira mais estranha possível, uma ‘viagem” sem querer naquela primavera de 1965.

rs_beatles01-ba36452a-2bb5-45e5-bb71-0a57a080cc78

Com o pé na estrada e a cabeça na lua.