Na última semana, o tão aguardado “Assassinos da Lua de Flores” estreou nos cinemas do Brasil, escrito e dirigido por Martin Scorsese, foi recebido como um dos principais filmes de 2023, tanto entre o público, quanto pela crítica especializada e, talvez, como o principal filme de Martin Scorsese, segundo alguns veículos. Mas já lhe adianto, apesar do longa baseado em fatos reais sobre o genocídio contra a população osage ser um excelente filme, carregar esse título é um grande desafio.

O filme é uma aula de direção nos mais diversos sentidos, partindo da construção narrativa clássica, que nesse caso tem origem na realidade, que muitas vezes não colabora para essa construção de maneira cinematográfica, encontra nas mãos e na mente de Scorsese um roteiro perfeito e, mesmo comprido, extremamente necessário para abordar de maneira coerente esse triste episódio da história.

Essa aparente demora é sentida tanto visualmente, com cenas compridas e com uma ausência de foco em elementos que denotam a passagem de tempo, quanto psicologicamente, pelo acúmulo da raiva contra os aproveitadores.Além disso, o filme é capaz de comover com a situação do grupo indigena, manifestada pelo banho de sangue contra a população e, simbolicamente, pela constante e significativa piora na condição da personagem Mollie.

Leonardo Di Caprio, Robert De Niro, Lily Gladstone e, particularmente, William Belleau encontram na história da década de 1920 alguns dos melhores papéis de suas carreiras. Marcados pela força de cada personagem, é quase impossível não perceber as diferenças de suas contrapartes em tela, e em seu papel na trama.

A direção de arte e a direção de fotografia do filme são impecáveis, replicando de maneira fantástica a estética da década do início do século XX e fotografia “analógica”, capaz de fazer qualquer um esquecer que boa parte do filme foi gravado na mais moderna Sony Venice e dando um ar de “antigo” que pouquíssimos filmes conseguiram até hoje. Há inclusive, entrevistas muito interessantes sobre como foi o processo para “mesclar” o uso de duas formas de captação no filme, com o diretor de fotografia Rodrigo Prieto.

A partir de agora é impossível não entrar em spoilers, e já deixo meu aviso àqueles que ainda não assistiram a última obra de Scorsese. Ainda falando sobre a construção narrativa do filme, é impossível não notar a ausência de grandes ápices, especialmente se comparado a seu último filme de grande sucesso “O Lobo de Wall Street” que segue à risca os ensinamentos sobre a locomotiva e o roteiro. Entretanto, essas ausências tem um motivo muito mais importante do que o entretenimento; a necessidade de retratar de maneira verossímil e coerente com os acontecimentos uma história que precisava ser contada e, que devido ao grande talento de todos envolvidos, faz uma aplicação de insulina se tornar tão interessante quanto bater um helicóptero ao chegar em casa.

Não existe dúvida de que Scorsese poderia contar histórias criminosas de maneira empolgante e capaz de entreter qualquer um, afinal, ele já realizou isso diversas vezes antes de decidir contar uma história verdadeiramente importante, porém, essa não parecia sua intenção.

Dentre as cenas que beiram a poesia em meio a um mar de sangue, a única que entrega o sentido do nome misterioso do filme é a contraposição de tudo aquilo que vemos durante as 3 horas e meia de assassinatos, envenenamento e genocídio. A natureza, marcada pelos delicados campos verdes estão cromaticamente opostos ao saturado vermelho do sangue dos osages, e é um dos poucos respiros do sombrio durante o longa.

Apesar de toda a carga dramática extremamente fúnebre e delicada do assunto principal, existe uma esperança intrínseca no filme, seja pela não glorificação da vida de Ernest e seu tio Bill, ou por todo o processo de produção do longa, acompanhado de perto pelas lideranças osages. 

Em seus últimos filmes, Scorsese carrega uma melancolia capaz de afastar o público de suas estreias, que marca a sua melhor fase artística, e começa justamente com o filme mais impactante do diretor: “O Silêncio”. Entretanto, “Assassinos da Lua de Flores” é um filme necessário, que mostra a evolução dessa última fase de Martin, que ao longo de “O Silêncio”, “O Irlandês” e a sua última estreia, aprendeu a unir a tristeza, o arrependimento, e a arte cinematográfica com histórias relacionáveis e necessárias. E, aposto que o filme irá continuar ganhando importância, não apenas para a história do cinema, mas também para uma sociedade que insiste em cometer os mesmos erros de novo e de novo…