Há dois meses, o ano chegava ao fim e chegou o dia que por qual tanto esperei: o dia 24 de dezembro. Por causa do Natal, dos presentes, das festas e da família? Também, mas principalmente porque nesse dia saía na plataforma de streaming Disney+ o filme Encanto. Pode-se dizer que eu já sentei no meu sofá em plena véspera de Natal com expectativas muito altas, e elas foram totalmente atingidas. Eu poderia escrever inúmeras páginas sobre tudo que faz desta uma obra tão especial, mas, como ninguém veio aqui para ler um mini livro, vou dividir meus pensamentos em partes.

O filme conta a história da Família Madrigal, formada por pessoas  com dons únicos recebidos graças ao Encanto: a magia entregue à sua avó como forma de protegê-los. Cada membro da família recebeu um dom, como a superforça, a habilidade de curar através de comida, o poder de se transformar em outras pessoas, que utilizam para cuidar do vilarejo onde habitam nas montanhas da Colômbia. A única exceção é Mirabel, que não recebeu nenhum dom, e, por isso, acaba sendo excluída e deixada de lado por grande parte da família.  Eu sei o que você está pensando: é só mais um filme sobre uma ovelha negra da família que acaba provando ser muito mais do que apenas um poder; mas eu garanto que essa animação tem nuances que você nunca imaginou.

Começando pelo desenvolvimento de caráter de cada personagem, com diversas camadas de personalidades que são tratadas ao longo da trama, a maior análise a ser feita é a relação dos personagens com os dons, visto que são um fardo muito maior do que se imagina. Cada membro da família só percebe seu valor por sua habilidade especial; as obrigações de usar seus dons a serviço da comunidade faz com que seu destino seja viver em função disso. As consequências desse fardo ficam evidentes na relação dos três irmãos: Julieta, Bruno e Pepa, a primeira geração da família a receber os dons. Por serem protegidos desde o nascimento, os irmãos não passaram pela dificuldade e luta de seus pais, que viveram em um país em guerra. Entretanto, a pressão de encontrar um par perfeito e continuar a linhagem da família trazendo filhos ao mundo para terem também seus dons, além de usar seus próprios poderes para proteger e cuidar do vilarejo, é sufocante. 

Pepa, Bruno e Julieta

Para falar sobre eles, vou começar falando do  Bruno (trocadilho com a música; se você não entendeu, vá assistir o filme!). Ele tem visões do futuro, um talento extremamente útil, mas que por mostrar que, muitas vezes o futuro não é tão agradável, todos culpam Bruno pelas coisas ruins que acontecem, como se ele tivesse algum controle sobre elas. Ser mal interpretado por suas visões não era um grande problema, até que ele viu algo que colocaria sua sobrinha Mirabel em perigo. Por isso, ele foge e some por anos, virando um grande tabu da família. Tanto sua fuga, como a “falha” do Encanto com Mirabel, caem como mais um peso nos ombros de suas duas irmãs. 

Visão de Bruno sobre Maribel

Julieta, mãe de Mirabel, tem o dom de curar machucados e doenças por meio de comida, então passa seus dias cozinhando e ajudando todos na vila que precisam de algo. Além de Mirabel, ela tem duas filhas mais velhas com poderes, mas a culpa e preocupação com sua caçula prevalecem. Já Pepa, mãe de Dolores, Camilo e Antonio, afeta o tempo com suas emoções, algo que muitas vezes é mais um fardo que um poder. Imagina se tudo que você sentisse ficasse literalmente exposto para todos ao seu redor, e ainda fosse algo extremamente inconveniente para eles? Pois é, se a Pepa se estressa ou fica preocupada, o tempo fecha completamente e a única maneira de fazê-lo voltar ao normal é reprimindo seus sentimentos com uma falsa sensação de “está tudo bem”. 

Tempestade no casamento de Pepa

Além dos traumas psicológicos sofridos pelos personagens, existem teorias a respeito da trama, algo que vou elaborar na parte seguinte do texto. Mas essa em específico explica muito do peso que Pepa carrega. Antonio é o neto mais novo da família, com uma diferença de idade bem maior que seus irmãos e primos; por isso, foram criadas teorias que ela só engravidou dele como maneira de testar se o Encanto ainda funcionava; uma forma de verificar se ele falhou apenas com Mirabel ou se deixou de funcionar definitivamente. Com isso, o filme começa no quinto aniversário de Antonio, o dia em que ele vai receber seu poder e, ali mesmo, já é possível ver como Pepa é sobrecarregada pela pressão de que seu filho deve restaurar o Encanto. Ela já cresceu tendo que reprimir o que sentia e ignorando suas preocupações, mas, nesse dia em específico, tudo deve ser perfeito, então nenhuma chuva ou ventania que ela evoque com seus sentimentos deve atrapalhar a cerimônia.

“Céu limpo, céu limpo” Pepa se acalmando para desfazer a tempestade

Esses traumas ficam muito evidentes na trilha sonora do musical, feita pelo brilhante compositor Lin Manuel Miranda, que já trabalhou com grandes sucessos como os musicais Hamilton e In The Heights e com o filme Moana, também da Disney. Suas músicas sempre costuram a história perfeitamente, colocando os medos e desejos de cada personagem tanto na letra, como na música. Ademais, todas trazem um pouco de seu próprio estilo, algo percebido por muitos fãs ao compararem a melodia das músicas e a temática também. Bem,  eu poderia falar por horas sobre esse assunto, mas isso é história para outro texto. 

Voltando aos irmãos, todas as questões da Pepa ficam claras na música “We Don’t Talk About Bruno” (pegou a referência agora?) e a imagem distorcida que a família tem de Bruno, também. Entretanto, Julieta é pouquíssimo mencionada nas músicas, sendo essas apenas a de apresentação da família e na música final, na qual ela rapidamente perdoa o irmão e mostra que o que importa é que ele está de volta. Já as outras canções tratam mais dos netos que dos filhos, apesar de refletirem muito os traumas geracionais que envolvem a família inteira. 

Encanto se tornou um dos meus filmes favoritos: já assisti mais de 4 vezes, além de ler e pesquisar teorias e análises mais profundas. Logo, ficou mais evidente a maneira que a própria arte do desenho nos faz refletir sobre os papéis das antagonista e protagonista, além de várias indiretas na animação que são difíceis de perceber. Mas isso já está grande demais e eu não posso defender a “vilã” da história em poucas linhas, então vou deixar os comentários polêmicos e teorias da conspiração para o próximo texto.