Parte 1 – Das Propriedades da Papoula

Por Koli

“O leite da papoula é nada mais nada menos que a seiva retirada de uma papoula antes de amadurecer levemente diluída em água. Você faz um corte no fruto e o látex escorre. Suas propriedades são…”

Ríonach admirava o miolo da papoula ilustrada em seu pergaminho. Passava o dedo pelas folhas como se pudesse fazer o pólen colorir seus dedos. Já sabia o básico das papoulas: flores bonitas que fazem as pessoas não sentirem dor. O que mais tinha para aprender em algo tão pequeno?

-Anestésicas, – Garmon lia em voz alta, mas não parecia ter o intuito de ensinar para outros além de si – anódinas…

  • O que é “anódina”?
  • Não me interrompa, garota. Antiespasmódicas, carminativas…

A garota expirou forte numa risada. Imaginava Dona Carmen, da loja de aviamentos, cheirando uma papoula e flatulando a ponto de mexer os tecidos da loja como estandartes numa batalha. Seu dedo contornava cada pétala, como se estivesse passando tinta por cima do esboço, mas seu olhar se perdia além da janela. Tudo o que Garmon deu foi um olhar repreensivo e um tapa surdo na mesa. 

  • Diuréticas, expectorantes, febrífugas, sedativas e tônicas… Ríonach Corbeau, a aula está aqui dentro, não lá fora. Se você quer se tornar uma meistre minimamente competente, você tem que prestar atenção nas aulas. Você acha que Lady Miranda vai te dar um teto quando não for útil? Se ficar brincando o dia inteiro? Seu dever é saber de tudo para auxiliar e dar conselhos a Traum quando crescer.
  • D-Desculpe, Meistre G-Garmon, – lutava para manter a voz firme, mas o choro estava perto de sufocá-la – e-eu… 
  • O que eu acabei de dizer?
  • O que… as papoulas… fazem quando ingeridas?
  • E o que fazem?

Ele se reclinou na cadeira e sorriu de soslaio. Ah, não. Ele sabia que ela não havia prestado atenção e outro sermão viria, e logo depois uma punição. O que seria dessa vez? Ajoelhar no milho ou reescrever aquele capítulo durante a madrugada?

Honestamente, ela optaria pelo milho, mesmo que suas feridas ainda estivessem abertas.

Uma risada infantil veio da janela. Deve ter sido bem alta para ser ouvida da biblioteca da casa. O som chamou a atenção dos dois na mesa, mas apenas Rìonach se levantou para ver a fonte. Antes que Garmon pudesse gritar com ela, a porta se abriu, revelando outra criança. Ríonach o via pelos corredores carregando sacos escuros com o rosto sujo de carvão ou quando o via trocando o mineral em alguma lareira das torres. Deveria ser só alguns anos mais velho que ela, mas já trabalhava como um cão. Sempre que podia, o elogiava e dava algo para que comesse, mesmo que não aceitasse. Era dever de uma meistre ser educada e servir à casa. O garoto fazia parte da casa, de certa forma.

  • Meistre Garmon, sua presença é requisitada em seus aposentos. 
  • Diga que vou assim que terminar este capítulo.
  • Lady Miranda requisitou sua presença imediata, Meistre. Pediu para que eu o acompanhasse. É algo sobre Milorde Traum.
  • Sete infernos- resmungou. – É melhor a senhorita saber de cor e salteado quando eu voltar aqui. 

O grito da cadeira se arrastando e a batida da porta foram os sinais que teve de que foram embora. A risada vinha de algum lugar entre a floresta e a torre que estava. Ela se repetia e repetia. Pelo menos alguém está se divertindo hoje… 

A aprendiz se sentou novamente e leu e releu aqueles tópicos. 

Anestésica, anódina, antiespasmódica.

A criança gargalhou.

Carminativas, diuréticas.

Um grito e um riso se sucedeu.

Expectorantes.

Duas risadas.

Pelos deuses novos e antigos, ela não conseguia se concentrar com tanto ruído. A curiosidade e a irritação apagaram seu foco. Se ela ajoelhar no milho por causa desses dois… 

Pegou seu casaco e cachecol e saiu batendo os pés até onde quer que aqueles pirralhos estivessem.

continua.

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