Sempre fui grande fã do diretor Tim Burton. Edward Mãos de Tesoura, O Estranho Mundo de Jack, Peixe Grande e suas Histórias Maravilhosas, Ed Wood e Marte Ataca!, dentre tantos outros, todos trazem personagens atípicos e a riqueza em descobrir seus mundos interiores. Ao final de suas obras, sempre notamos que o estranho não é o diferente personagem central, mas a sociedade: ora hipócrita, ora falsa, ora demagoga, sempre superficial e ruidosa, exigindo do sujeito silencioso e instrospectivo, que não se identifica com a maioria, que verbalize, fale, aja como eles. Seu silêncio e discrição é correspondido pela sociedade com linchamento, banimento, tochas, ostracismo e toda forma de perseguição.
Há um filme, porém, que figura entre seus maiores e não parece ter a mesma repercussão, talvez por ser mais recente: O Lar das Crianças Peculiares pode ser percebido, à primeira vista, como um sub-XMen. Crianças dotadas de “poderes” vivem em uma mansão onde praticam seus dons e aprendem a conviver com eles e umas com as outras. Elas apresentam poderes inusitados, como se espera das obras de Burton, sempre flertando com o diferente. Para realizar uma análise mais adequada –e justa – da obra, devemos evitar essa leitura reducionista; comecemos trocando a palavra “poderes” por “peculiaridades”.
As crianças não são heróis, não se aventuram na tentativa de salvar o mundo. São peculiares, possuem características que outras crianças possuem, são percebidas como diferentes e, na mansão, seu lar, treinam para saber lidar com suas peculiaridades e aprendem a conviver com os outros e consigo mesmo.
Corte para o momento biográfico, que tempera uma análise de produto audiovisual: possuo duas filhas. Lara, a maior, é minha enteada, filha por opção e pelo coração; Lis é a menor, quase bebê. Lis ainda não fala. Quando Lara assistiu – e adorou – ao Lar das Crianças Peculiares, me saí com aquelas brincadeiras bobas de pai: disse que a Lis era uma criança peculiar. Lara ainda nova, também queria ser peculiar. Eu dizia que eu e ela éramos normais, mas ela, não: peculiar.
Não significava nada. Era uma brincadeira boba. O tempo passou, Lis ainda não falava. Entre suas brincadeiras, dançava girando na sala. Lara dizia: “Acho que ela é peculiar mesmo! O poder dela é girar sem ficar tonta”. Mesmo cego pela correria do dia-a-dia, comecei a notar algo. Uma peculiaridade. Em meses, procuramos por uma médica e Lis foi diagnosticada como autista (ou por estar no espectro de autismo, para quem aprecia um eufemismo).
Percebi como minha brincadeira, boba, reforço, fazia sentido: era mesmo uma criança peculiar, com outras sensibilidades, diferente das outras. A diferença pesa? Não sei responder porque não sou. Nem eu, nem Lara. Mas quem apresenta a peculiaridade deve sentir a diferença de outra forma. Talvez a não identificação apresentada pelos personagens de Burton. A percepção e estranhamento quanto aos hábitos e comportamentos de quem não é como eles, que se comporta de forma mais homogênea, a que chamam de “normal”. Mais ruidosos e preocupados com o silêncio dos outros sujeitos. Creio que Burton sempre atraiu o olhar de seus telespectadores para esses, as silenciosas crianças peculiares.
Mas então não se tratam de sub X-Men? Bem, em partes, sim. E essa resposta encontrei no desenho infantil Mundo Bita. O desenho/clip “A Diferença é o Que nos Une” trata sobre crianças com necessidades especiais (peculiaridades?). Sua letra enfatiza que crianças com necessidades especiais são potentes e capazes como as demais e que não devem serem vistas com desconfiança sobre sua capacidade.
Nosso corpo fala preste muita atenção
Não precisa palavra pra comunicação
Tantas são as formas de cruzar a imensidão
Demonstrando pro mundo nossa superação
Quem disse que não podemos?
Nunca duvide de nós!
Somos especiais
Quase super-heróis
A abordagem da letra do desenho reconhece a diferença, as peculiaridades e como elas reforçam a autenticidade de cada criança, únicas em sua sensibilidade de percepção do mundo.
Você deve estar se perguntando sobre o lugar de fala.
Eu estou nesse lugar.
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