Sinapse por Pedro Hutsch Balboni, 26/10/2009 às 18h00
Para completar a trilogia de posts sobre o tema “livro”, resolvi buscar algo um pouco diferente. Nos posts anteriores, discorri muito sobre a forma, o formato do livro no futuro e todas as implicações disso. Neste post, pretendo falar sobre seu conteúdo e um pouco sobre o mercado editorial. (Você ainda não leu os posts anteriores sobre o tema? Leia aqui: I e II).
Os insights sobre os quais falarei aqui saíram da leitura do livro “O Negócio dos Livros“, de André Schiffrin, onde ele fala sobre “como as grandes corporações decidem o que você lê”. Curiosamente, o livro não está disponível para venda em livrarias virtuais como a Saraiva.com, acabei tomando contato com ele em um sebo, que foge do esquema de distribuição em massa.
No quarto capítulo do livro, intitulado Censura de Mercado, o autor começa sua argumentação dizendo que “as recentes mudanças no mercado editorial demonstram a aplicação da teoria de mercado à disseminação da cultura”. Segundo ele, os proprietários de editoras racionalizaram progressivamente suas atividades; baseados na afirmação de o mercado ser uma espécie de democracia ideal, sustentam que não cabe às elites impor seus valores aos leitores, e sim ao público decidir o que ele quer ler – “e se o que ele quer for cada vez mais fraco e limitado em abrangência, que seja” – os lucros são a prova de que o mercado funciona como deve.
Assim, o autor descreve como pôde ver, impotente, a todas as mudanças que aconteceram acompanhando a lógica de mercado enquanto trabalhava como editor para a Pantheon. No início de sua carreira, os livros eram publicados a preços baixíssimos, e o lucro vinha da venda em escala, o que garantia não apenas o retorno financeiro, mas também a disseminação da informação. E mais: os editores eram profissionais acadêmicos, preocupados com a qualidade do material que publicavam e na repercusão que ele traria para a sociedade. Isso significava que obras populares (rentáveis) deveriam não apenas gerar fluxo de caixa, mas também ajudar a sustentar outros títulos de menor tiragem, mas de conteúdo importante. (Outra coisa: o autor afirma que na época os editores não eram profissionais extremamente bem pagos, tinham salários semelhantes ao de professores de universidades, e faziam o que faziam por acreditar em seu trabalho).
Na época em que a editora em que trabalhava foi comprada por uma grande corporação, conta ele, os novos donos examinaram os balanços financeiros e começaram a cobrar resultados tendo como base apenas o lucro. Isso transformava sua função de editor quase que na função de um contador (transição que acontece paulatinamente em todo o mercado), e vários títulos importantes foram tirados de circulação por não satisfazerem essas exigências de lucros. O preço de capa dos livros também subiu vertiginosamente, trazendo retorno não pela venda em escala, mas sim pela grande margem imposta aos poucos compradores (o autor conta que na época que vivia na Inglaterra, os livros eram vendidos a dois xelins e seis pence, o equivalente a 35 centavos de dólar; em pouco tempo, com pequenas alterações no tamanho e composição do livro, algumas editoras aumentaram o preço de seus livros para 10 dólares ou mais). Novos autores, sem um histórico de sucesso, encontravam uma dificuldade difícil de ser vencida, pois para ser publicado era quase necessário provar ser capaz de escrever ao menos um best-seller (que passou a ser o carro-chefe da indústria). Ou seja: encontrar novos bons autores não era mais uma questão de conteúdo (uma nova idéia, por definição, não tem registro de vendas). O próprio autor diz que nunca teria tido a oportunidade de publicar as obras de Kafta nesses moldes. Ah sim, os editores passaram a ganhar salários milionários, mesmo se a unidade de negócios que dirigiam não ia bem financeiramente, o que mostra que o foco estreito em retorno passa por uma questão hierárquica – o que adianta aumentar o lucro se o repasse é diminuído?
Esse processo é o mesmo que vem acontecendo até hoje, onde uma editora independente com títulos de qualidade é comprada por algum grande conglomerado e é submetida à lógica de mercado, onde o jogo não é propriamente justo. Com isso, me refiro ao poder de distribuição e comunicação que uma grande empresa com muito capital tem contra os escassos recursos de editoras independentes (isso, dois dos “4 Ps” que vimos em aulas de marketing, praça e promoção). Quem tem mais capital para investir, tem mais retorno a receber. A procura se concentra cada vez mais em menos títulos devido aos esforços de comunicação para “forçar” o nascimento de um best-seller, e essa competição desigual sufoca progressivamente as pequenas editoras. Na década de 1950, haviam cerca de 200 editoras significativas em Londres; hoje há menos de 30. Nos EUA, 5 grandes conglomerados controlam 80% das vendas de livros. São elas:
1 – Time Warner – proprietária da Little, Brown and Company e Book-of-the-Month Club. Faturamento de quase 31 bilhões de dólares;
2 – Disney – proprietária da Hyperion. Faturamento: 24 bilhões de dólares;
3 – Viacom/CBS – proprietária da Simon & Schuster. Faturamento: 19 bilhões de dólares;
4 – Bertelsmann – fatura 16 bilhões de dólares;
5 – News Corporation (de Murdoch) – dona da HarperCollins, fatura 14 bilhões de dólares ao ano.
“Todas essas fusões seguem inevitavelmente o mesmo padrão. O conglomerado faz uma declaração apaixonada louvando a importância da empresa que comprou e prometendo preservar sua tradição. Todos recebem a garantia de que não serão feitas grandes mudanças e que será demitido o menor número possível de pessoas. Mais tarde é anunciado que economias simples são fundamentais para aumentar a eficiência e que ‘funções administrativas secundárias’ serão fundidas. Contabilidade, distribuição e estoque logo se descobrem sob o mesmo teto. Então as forças de vendas são amalgamadas, já que não há a necessidade de ter pessoas diferentes cobrindo o mesmo território. Após isso, é descoberta uma infeliz sobreposição na produção editorial, e percebe-se que também ali é necessária uma racionalização. Diversos editores e seus assistentes são demitidos, já que, afinal, o número total de livros lançados precisa diminuir. Gradualmente, se torna difícil dizer qual empresa está publicando quais livros. (…) Enquanto isso, os livros antigos são impiedosamente triturados ou tirados de catálogo caso não vendam um número mínimo cada vez mais elevado de exemplares(…).” Olho vivo!
É óbvio que todas essas mudanças no mercado editorial também se refletem no mercado livreiro. As livrarias independentes passaram a ter dificuldade de competir com outras livrarias que ofereciam pequena diversidade de livros, focada nos best-sellers, trazendo grandes descontos. Essa política de descontos faz hoje com que as redes sejam responsáveis por 50% das vendas de livros no varejo norte americano, enquanto as livrarias independentes foram reduzidas a 17%, e o número continua a diminuir. Com esse enorme número de vendas, o poder de barganha das grandes redes tornou-se extremamente alto, pressionando as grandes editoras.
Com essas gigantes dominando o mercado e impondo sua busca por lucros, a corda arrebenta do lado mais fraco. Os consumidores só tem acesso ao material imposto a eles, e não sabem disso (aí entramos na questão da agenda pública, onde a maioria de nossos pensamentos é reativa ao que a mídia nos expõe, mas essa é uma questão complexa que duplicaria o tamanho deste singelo post, e acredito que ninguém vai querer isso).
E eis que mais uma vez surge a internet! A internet não é a salvação do mundo, mas é uma plataforma muito flexível para ferramentas que facilitam nossa vida. Exemplos práticos para o tema debatido aqui:
Estante Virtual – Um sebo online. Funciona assim: os sebos se cadastram na Estante, e cadastram lá todo o seu estoque. O consumidor, ao fazer uma busca por um título, vê no resultado quais sebos de quais lugares do país têm o livro que procuraram, e tem a opção de realizar a compra ali mesmo, pela internet, ou de ir até o sebo comprar o livro se preferirem.
Clube de Autores – Uma editora online. Você autor sobe o pdf de sua obra pronta para ser impressa no site, diz o quanto o livro vai custar e as pessoas podem comprar o livro, o Clube de Autores se encarrega da parte chata: imprimir e entregar o pedido. A parte mais difícil, o conteúdo, é trabalho seu, bem como a divulgação.
Issuu – Uma revista online. Na verdade, é semelhante ao Clube de Autores, mas é voltada apenas para o online e não envolve a geração de caixa; você pode subir lá o pdf de sua revista prontinha, e ele cria uma revista online com esse pdf. Fica bem bonito, dêem uma olhada.
Eu faria uma analogia com Pareto para fechar o texto: 80% dos pensamentos do mundo são controlados por 20% das pessoas. Mas, mesmo com um baixo poder de barganha, ainda temos a chance de criar os restantes 20%!
(As ilustrações são de Doug Thompson, encontrei enquanto procurava imagens de livros e não consegui usar menos de sete.)
Twitter @phbalboni @newronioespm
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