Desde o começo dos tempos (e das primeiras obras cinematográficas) a mulher vem sendo representada de um jeito tanto quanto equivocado, e sinceramente irritante. Sempre gentil, cuidadosa, delicada, submissa… Porém não mais. Vamos, nesse texto, discutir um pouco sobre como o retrato da mulher moderna mudou a partir do final do séc. XX e começo do séc. XXI. 

  Se eu pudesse descrever a raiva demonstrada por homens em filmes e séries em apenas uma palavra eu escolheria “violência”. Essa agressividade que está sempre presente em todas as representações masculinas leva com que emoções verdadeiras sejam deixadas de lado, logo deixando o real motivo da tensão climática superficial a gritos e violência. Já na rara e verdadeira fúria feminina, podemos ver sentimentos em abundância e que, mesmo sabendo que a personagem pode ser a vilã, nos comove e prende de um jeito absurdo.

Na minha visão, a raiva feminina tem dois lados: a racional e a mânica. Por favor, não entenda “calma” quando falo racional, mas sim que ela equivale a situação submetida. A personagem de Florence Pugh, Alice, no filme “Don’t Worry Darling” demonstra exatamente isso: após ter sido gaslighted intensivamente por seu marido sobre o lugar onde moravam, ela descobre que está inserida em uma “realidade alternativa”, contra sua vontade, com o princípio de salvar seu casamento; Ela e Jack (Harry Styles) entram em uma discussão onde ela fala repetidamente que era sua própria decisão, que era sua vida. Outro exemplo seria o filme “Estrelas Além do Tempo”, onde a atriz Taraji P. Henson faz uma atuação impecável, onde mostra o sofrimento e a revolta de uma mulher negra num ambiente de trabalho completamente dominado por homens brancos.

Vale notar que fiz questão de não trazer apenas exemplos em que as mulheres estariam discutindo com homens, visto que nossos sentimentos não aparecem apenas com a presença ou por causa de alguém do sexo masculino. No filme “Garota, Interrompida” vemos a personagem da grande atriz Winona Ryder extremamente frustrada após ser internada em um hospital psiquiátrico onde, independente de suas ações, não consegue identificar o que tem de errado em sua cabeça. Já em “Euphoria”, Rue (Zendaya) e sua mãe (Nika Williams) tem uma grande e emocionante discussão sobre seu vício em drogas, mostrando a relação profunda entre mãe e filha e como o vício destrói famílias.  

Agora, falando de seu outro extremo, a raiva manica, que quase sempre é retratada  pelo cinema frames focados apenas na personagem, pelo menos é isso que consigo achar em comum entre o filme “Pearl”, qual conta a história de uma menina psicopata que sonha em ser uma estrela e entra em um estado delirante conforme vai se deixando ir por seus desejos profundos; “Cisne Negro”, uma bailarina profissional se esforça para personificar os dois papéis principais: o Cisne Branco, que é inocente e gracioso, e o Cisne Negro, que é sedutor e malicioso. Ao longo da narrativa, ela enfrenta desafios físicos e psicológicos, e sua busca pela perfeição no balé começa a ter um impacto sério em sua saúde mental. A linha entre realidade e fantasia torna-se turva para a bailarina, e ela começa a experimentar alucinações e paranóias. Além disso, ela luta contra a pressão e a competitividade dentro da própria companhia de balé; E “Eu, Tonya”, onde Margot Robbie entrega uma atuação impecável, com sua famosa cena no espelho, onde apesar de todo nervosismo, raiva e trauma a personagem ainda se arruma para a competição, porém ainda continua visível em seu rosto o quanto ela está se esforçando para engolir seus sentimentos.

Em vista do tema sendo discutido, acho importante complementá-lo falando também sobre o ciúmes maníaco vindo de mulheres. Em um mundo misógino, infelizmente já estamos acostumados a ver pessoas presas em relacionamentos abusivos, a maioria delas sendo parte do público feminino. Filmes, documentários e séries que retratam o homem doentio de ciúme, tal tão intenso que comete atos psicopativos; Só que e se os papéis fossem ao contrário? E se ela fosse a “maluca”?

A música “Kill Bill” expressa a frustração e ciúmes profundos da cantora SZA, na qual ela fala “Sou tão madura que consegui um terapeuta para me dizer que há outros homens/ Eu não quero nada, eu só quero você/ Se eu não posso ter você, ninguém deveria” o que nos mostra que ela se ilude em pensar que é madura enquanto deseja matar seu ex para que não namore ninguém além dela mesma. O mesmo acontece no filme “Garota Exemplar” só que em vez da esposa matar o marido, ela finge a própria morte e o incrimina através de um plano meticuloso, tudo após ela descobrir que ele vem a traindo com uma aluna. Outro exemplo talvez até um pouco irônico é mostrado na série “YOU”, onde o personagem principal é um stalker que persegue mulheres até elas se apaixonarem por ele, mas quando uma mulher misteriosa é introduzida vemos que o gato virou o rato, que ela consegue sim ser mais maluca e doida de ciumes que ele, tanto que a mata quando percebe que a situação saiu de seu controle.

Uma outra interpretação desses ciúmes no mundo feminino é através de uma simulação de uma relação sáfica. De primeira vista, essa teoria parece absurda, porém se analisada com calma, podemos ver que ela faz muito sentido no mundo que vivemos, cujo é repleto de padrões inalcançáveis de beleza estabelecidos pela sociedade e também estimula a rivalidade feminina. 

Nessa representação vemos a inveja de uma mulher pela outra se transformar em obsessão, as linhas entre “querer ser ela” e “querer ela” começam a ficar embaçadas… Em “Lacy”, música feita por Olivia Rodrigo e lançada recentemente em seu novo albúm, pensamos primeiramente que a canção fosse ela confessando seu amor por Lacy, mas no final foi revelado como seu ciúmes se transformou em um ódio fanático por ela. O que é levado a outro nível na música “Girl Crush” (que é muito linda por sinal, escutem o cover dela por Harry Styles) podemos ver essa situação desenrolar; A autora fala sobre querer beijar os lábios da amante de seu amado, só para sentir, de longe, o “gosto” dele. E finalmente chegamos em “Jennifer’s Body”, um filme onde vemos uma adolescente popular ser possuída por um demônio que fica tão obcecado por outra adolecente que vemos um beijo safico entre Megan Fox e Amanda Seyfried.

O mundo do cinema e audiovisual ainda tem muito a evoluir na questão da raiva feminina, logo que a indústria ainda é controlada por homens que continuam fazendo as mesmas coisas uma vez atrás da outra. Sorte nossa que cada vez mais temos diretoras e atrizes que se impõem no processo criativo com o fim de trazer representações mais precisas para as obras em que participam.