Andrew Tate é um nome que, ao ser lido, pode causar 3 reações: desgosto, admiração ou confusão, caso você não o conheça. Se a última é verdade para você, eu te invejo. Se a segunda é verdade para você, eu muito provavelmente te abomino. Se a primeira é verdade para você, eu te entendo. Qualquer que seja a sua reação, é importante se aprofundar no problema que foi a ascensão do Tate à fama e todas as várias e longas repercussões que isso teve.
Se você é uma das pessoas abençoadas que não teve o desprazer de ver conteúdos sobre esse homem em suas redes sociais, vou te explicar: a primeira coisa que você deve saber sobre ele é que já admitiu que o motivo ter se mudado para a Romenia, país que ele mora atualmente, é que lá as leis relacionadas ao assédio sexual são menos rígidas. Sei que já começa mal, mas juro que piora.
A causa dessa fuga, claro, foi a investigação que o governo americano fazia sobre ele e seu envolvimento em um esquema de tráfico de mulheres. Ele era um lutador de MMA e, antes disso, tinha participado do Big Brother EUA (do qual ele foi expulso depois de uma denúncia de agressão contra uma mulher ter surgido) mas, ultimamente, ele fez grande parte do seu dinheiro com seu curso online chamado Hustler’s University (que, horrorosamente, se traduz para “Universidade do Batalhador”, alguém que trabalha duro). O curso ensina sobre business, marketing e como se tornar um milionário, e é claramente voltado para homens. Só que esse “curso” tem uma jogada de marketing muito inovadora: o Andrew Tate está no topo e recebe tudo das pessoas que se inscrevem no curso – porém, se essas pessoas que se inscreveram recomendarem o curso para outra pessoa, elas recebem 50% do que esses novos inscritos pagam. E por aí vai, até o último inscrito. Como ninguém pensou nisso antes?
Outro comportamento encorajado pelo curso é pegar cenas dos vídeos e das aulas do próprio Tate e recortar e postar em suas redes sociais. Isso faz com que ele tenha suas próprias “testemunhas” espalhando sua palavra e, mesmo que as cenas sejam postadas ironicamente, os olhos e holofotes ainda apontam para a mesma pessoa, a beneficiando.
Agora que você já sabe quem ele é, vamos entender o que ele representa. Em poucas palavras, o posicionamento e as mensagens que o Tate quer passar com sua presença nas redes sociais é: homens não apenas são superiores a mulheres, como deveriam odiá-las. Algumas das coisas mais famosas que ele já falou incluem: estar em um relacionamento heterosexual com uma mulher e ser fiel é gay; homens deveriam trair suas namoradas; mulheres são fáceis de estuprar e por isso não deveriam se sentir mal que isso aconteça; que ele sabe fazer primeiros socorros e respiração boca-a-boca, mas só faria em uma mulher se ela fosse “gostosa”, e que fazer em um homem seria gay; que mulheres são naturalmente menos inteligentes que homens, por isso não merecem posições de poder; que uma mulher é propriedade do namorado/marido e mais MUITAS frases que vão ficando cada vez mais assustadoras.
Em primeiro contato, o fator de choque e o extremismo das coisas que esse homem fala podem parecer apenas uma fonte de entretenimento, como se ele fosse um personagem satírico que tem crenças e ideais fora da realidade e que ninguém nesse mundo pensaria – mas é muito mais do que isso. Ele não está retratando um personagem, ele é uma pessoa como qualquer outra, com uma grande diferença: ele é a pessoa mais famosa e comentada da internet no momento e tem uma legião de seguidores que o veneram e o consideram um ídolo. Somando isso com as mensagens que ele passa, o resultado não poderia ser bom.
Desde o começo da jornada do Andrew Tate à fama, diversas mulheres em diferentes plataformas se pronunciaram denunciando as falas perigosas e a isenção de atitudes e responsabilidade das redes sociais, que permitiam que tudo fosse compartilhado e impulsionado sem filtro. Na última semana, finalmente, ele e conteúdos sobre ele foram expulsos de redes como Instagram, Facebook e Tiktok, que eram onde ele recebia maior engajamento, mas por um outro motivo.
Um ex-viner e atual youtuber britânico chamado Daz Black, que tem um canal no youtube chamado Daz Games, com mais de 8 milhões de inscritos, fez um vídeo de quase uma hora reagindo a vídeos do Andrew Tate, criticando e reportando suas falas e o silêncio das redes que tanto davam poder para ele. Menos de 24 horas depois, todas as contas do Tate tinham saído do ar e, pouco depois disso, ele fechou seu curso online.
O Daz fez a coisa certa em reconhecer o seu privilégio como um homem branco, cis e hétero com uma plataforma enorme e usá-la para denunciar algo que ele via como (e de fato era) errado e isso deixou absurdamente claro como as únicas pessoas ouvidas em qualquer lugar, sobre qualquer assunto, são homens. Até quando o assunto é mulheres, homens são os únicos que conseguem se fazer ouvidos e são levados a sério. Foram meses de mulheres denunciando e passando medo, sem resposta nenhuma, mas a partir do ponto que um homem falou que aquilo era errado, a resposta foi instantânea e não teve quase nenhuma contestação.
Mesmo com uma pessoa claramente perigosa espalhando ideais perigosos, de ódio e claramente discriminativos, recebendo cada vez mais popularidade e poder, não houve consequência nenhuma até um homem falar para que acontecesse. As redes sociais não apenas aceitavam como também impulsionavam esses conteúdos por conta do engajamento, até um homem falar que isso era errado. A voz de um homem se mostrando mais alta e efetiva que as vozes de milhares de mulheres preocupadas e assustadas pelas suas seguranças.
Para citar Taylor Swift, uma das mulheres mais famosas e poderosas no ramo da música atualmente, em sua música The Man, “I’m so sick of running as fast as I can, wondering if I’d get there quicker if I was a man” (Estou cansada de correr o mais rápido que posso, me perguntando se eu chegaria mais rápido se fosse um homem). Essa é uma sensação comum a todas as mulheres: sentir como se suas queixas fossem inválidas e seus esforços não adiantassem, enquanto um homem pode mexer dois dedos e conseguir o que quer. Se até a Taylor Swift se sente assim, imagine uma mulher que não tem o poder e a influência dela.
Espero que você, como leitor e meu ouvinte, tenha dado às minhas denúncias sua devida importância, afinal, esse texto foi escrito por um homem. Se você chegou até aqui, você entende que só uma voz masculina consegue se fazer ouvida e considerada. Ninguém levaria minhas preocupações e opiniões a sério se eu contasse quem de verdade sou. Ninguém ouviria uma mulher de 20 anos, que já viveu muito mais experiências machistas e é muito mais afetada por isso do que um homem, assustada pelo seu futuro e como o mundo que ela vai viver pelo resto da sua vida vai tratar mulheres daqui para a frente, falando sobre o machismo. Sim, pois é, por que ouviriam?
Que bom que eu sou um homem.