Desperate Housewives foi um dos maiores sucessos da televisão dos anos 2000. São várias as razões que justificam o sucesso da produção: a construção de histórias malucas e engajantes, as fofocas sem fim, os plot twists bizarros/surpreendentes e os escândalos românticos.

Mesmo que existam inúmeros fatores que contribuíram para o sucesso da série é importante perceber que, ao longo das 8 temporadas, a riqueza na construção dos personagens se manteve fidedigna à qualidade inicial. As quatro amigas (Lynette, Susan, Gaby e Bree) passam por todas as mais fantasiosas tramas e o paralelo delas com a retenção do foco em cada personagem e sua batalha individual traz a dinâmica engajante de Desperate Housewives. Esse é o grande diferencial da série – parece ser um conjunto de histórias e ao mesmo tempo uma só jornada de Wisteria Lane.

Com uma linha de personagens muito bem construída e rica de personalidade, os roteiristas de Desperate Housewives acertaram em cheio com Bree Van de Kamp, que, em minha opinião, é a mais fascinante.  No começo da 1a temporada, eu a via como um robô:  psicopata, tóxico e amargo, mas, com o final do seriado , é inegável que a personagem esteja diferente.

Para compreender uma mulher complicada como Bree é preciso conhecer um pouco da infância que construiu uma personalidade tão específica: o comportamento de Mrs. Van de Kamp é resultado da educação de sua  mãe, que sempre aconselhou a filha de que não poderia ser vulnerável ou expressiva; sem expressar seus sentimentos ou preferências, o segredo para ter poder sobre os homens era a utilização de uma máscara enigmática. 

Crescendo com essa doutrina, a idéia passou a se pregar na cabeça de Bree depois que ela mesma teve uma comprovação da teoria da mãe: certa vez, a esposa de Rex decidiu expressar descontentamento com uma atitude indelicada do marido e ele, ao invés de validar suas emoções, viu a mulher como exagerada e dramática, debochando dela;  insatisfeita e ofendida com a reação, Bree se programou a sempre ser uma mulher robótica e misteriosa, com uma atitude agressiva e passiva, apesar de a personagem mudar bastante até o fim do seriado, essa essência se manteve constante e proporciona muito humor à dinâmica.

Uma das coisas mais valiosas de histórias cruas e orgânicas como a de Wisteria Lane é que resultam em um olhar muito mais holístico do mundo e das interações interpessoais, pois levam a lembrança de que “todos estão passando por alguma coisa”.

Bree sem dúvida sofre de algum transtorno mental conclusivo; muitas vezes o seu comportamento compulsivo por limpeza lembra um dos traços de pessoas com TOC, entretanto, não há confirmação para essa minha hipótese. De qualquer forma, ela é claramente obcecada com limpeza e organização e utiliza essas ferramentas para se sentir em controle sobre sua própria vida desde a morte de sua mãe quando tinha apenas 10 anos até no seu casamento com Rex, onde ela não expressa seus reais desejos e opiniões. 

Apesar de sua característica misteriosa permanecer durante todas as temporadas, Bree passa a ser uma personalidade mais completa junto com o descobrimento da infidelidade de Rex. Depois do pivô do adultério, a “perfeita” dona de casa começa a viver histórias que obrigam a verdadeira Bree a aparecer.

Não vejo a jornada de Bree como uma transformação e, sim, como evolução; apesar da personagem da 1a temporada ser muito diferente em relação a personagem que atua nas demais, ela parece passar por uma real teoria da evolução e, por isso, precisa se adaptar para sobreviver às tramas de Wisteria Lane.

A complexidade do roteiro de Desperate Housewives me intriga e fascina: mesmo que eu saiba que tudo se conecta entre as temporadas, ainda me vem um certo desconforto em não saber ao certo como as referências se encaixam…

Já passamos pela infância rígida e traumática de Bree e como ela influenciou na personalidade misteriosa da adulta que veio a se formar; partindo para a época da faculdade onde ela vem a conhecer o seu primeiro marido: Rex van de Kamp, outro estudante que participava de um encontro de jovens republicanos. O romance parece decair desde que o casal se muda a Wisteria Lane e Bree é constantemente ressentida pelo marido e seus dois filhos, Andrew e Danielle.

Como uma boa perfeccionista, Bree quer fazer de tudo para não se divorciar, afinal o que é mais fracassado do que um casamento que acaba em divórcio? Tentando consertar sua relação com Rex, a esposa contrata um terapeuta de casais e os dois passam a discutir seus hábitos sexuais de forma absurdamente desconfortável ao marido e consequentemente hilária ao espectador.

Um dos primeiros indícios da comédia de Desperate Housewives sao as tentativas de Bree em conseguir restaurar seu casamento; a tão considerada ética figura invade o consultório de terapia, testando conquistar o marido a partir da sodomia e acidentalmente envenenando o mesmo com cebolas. O exemplo mais claro da utilização da máscara de emoções de Bree é quando a esposa compartilha com toda a mesa de jantar o fato que Rex chora após a ejaculação; o comentário é feito com tamanha elegância e imparcialidade que deixa a todos sem palavras, exceto Rex que a partir de então sai de casa.

Enquanto seu casamento desmorona, a conservadora republicana também enfrenta o desgosto dos filhos, principalmente Andrew, que se assume gay e não é aceito com empatia desde o início. 

Bree sem dúvidas errou muito como mãe e, no final da série, ela toma consciência disso: a evolução da personagem é imensamente perceptível através da análise de sua relação com o filho, o qual ela passa a aceitar e ainda chega a impedir que ele se encaixe nos padrões heteronormativos ao noivar com uma mulher.

Outro momento marcante de Bree é quando ela passa por toda uma gravidez falsa para proteger a verdadeira gestação da filha adolescente. 

Quando assistimos Bree e sua ausência de limites para manter sua imagem intacta, conseguimos perceber a inteligência e capacidade da personagem que, sem dúvidas, tem um gênio muito avançado.

Minha interpretação sobre a jornada da personagem Bree Van de Kamp é de uma grande seleção natural, ela conseguiu ter consciência dos seus traços benéficos mas também aprendeu a deixar aquilo que não era útil de lado. A mulher  continua sendo misteriosa e passiva-agressiva, entretanto ela aprende ao longo de todas as suas aventuras que pode ser mais poderosa quando impõe a sua opinião. Ao entender que, para sobreviver é necessário se impor e ser dona de sua pessoa, Bree aprende a se valorizar e ser independente passando assim por uma fantástica evolução de caráter.

 A analogia com o Darwinismo também é fidedigna às demais personagens principais, afinal  as 4 amigas sobrevivem ao caos das 8 temporadas e se mantêm unidas até o final – o que só foi possível com a percepção daquilo que funciona e aquilo que não.

Desperate Housewives é uma das melhores séries norte-americanas pela originalidade de contar as histórias das pessoas mais rotineiras possíveis que vivem de forma extremamente tradicional  explanando  os bastidores desse estilo de vida. É incrível e interessante as tramas fantasiosas mas também extremamente reais, apesar de os plot twist serem inesperados e absurdos, eles são simultaneamente reais e não são impensáveis; esse fator é o que faz a série brilhar e ser uma produção incomparável  a outros seriados e filmes.