A arte que conhecemos e amamos é aquela que fala sobre nós mesmos tanto quanto sobre o artista que a criou. Arte que nos toca, cutuca, que nos traduz e nos transporta para nossas melhores memórias e até lugares que nunca estivemos. Arte como as fotografias de Justine Kurland, mais especificamente sua coletânea intitulada “Girl Pictures”.

Entre 1997 e 2002, Kurland retratou garotas adolescentes como rebeldes, jovens fugitivas na natureza, através de uma seleção extraordinária de fotografias que oferecem uma visão única sobre amadurecimento e sororidade. A obra da fotógrafa consegue capturar com uma delicadeza quase crua as diversas facetas da feminilidade durante a juventude. Você enxerga garotas vivendo cenas rotineiras, inocentes, verdadeiras – desde uma conversa no banheiro da escola até um passeio no campo.

“Minhas fugitivas construíam fortes em florestas idílicas e viviam comunitariamente em um estado perpétuo de felicidade juvenil. Queria tornar visível a comunhão entre as meninas, destacando suas experiências como primárias e irrefutáveis.” Conta Kurland “Eu imaginei um mundo no qual atos de solidariedade entre meninas gerariam ainda mais meninas – elas se multiplicariam pela força absoluta da união e reivindicariam um novo território.”  

“Seu despertar coletivo se inflamaria e se espalharia pelos subúrbios e pátios de escolas, chamando grupos de meninas acampadas em alpendres e capôs ​​de carros, ou vagando sem rumo pelos bairros onde moravam. Atrás da câmera, eu também estava de alguma forma na frente dela – uma delas, uma garota que ficou forte por outras garotas.”

As fotos também começaram a ter vida própria. “Eu sou a autora das fotos, mas elas pertencem tanto às meninas que estão nas fotos quanto às pessoas que as recebem”, disse ela. “Especialmente, eu acho que conforme o tempo passa, há mais distância para deixar as fotos fazerem seu próprio trabalho.”

Kurland chegou a  licenciar suas fotos para uso em projetos que refletem o espírito de garotas adolescentes desconhecidas – por exemplo, a capa do álbum Dead Cities, Red Seas & Lost Ghosts de 2003 da banda francesa M83 e um relançamento de 2009 de The Virgin Suicides de Jeffrey Eugenides – o que as fez base para uma geração inteira de expressão artística feminina.

Na época, Justine Kurland pensava em si mesma como criadora de retratos fictícios de adolescentes fugitivas. Mas vinte anos provaram que ela também estava inventando uma comunidade, encontrando a própria verdade através da força e energia de sua arte. Uma verdadeira busca estruturada para imagens de garotas reais, e essa realidade pode ser o motivo pelo qual elas se tornaram emblemas tão duradouros da experiência adolescente.

Atualmente, ela não fotografa mais aquele mundo; seu novo trabalho – colagens, retratos íntimos e um estudo de uma fábrica abandonada no interior do estado de Nova York – é um afastamento de muitas das coisas que vieram antes dele. Mas ela ainda enxerga o poder dos mundos que documentou e as cenas que criou.

“Muita arte e escrita existe nesse espaço contraditório onde é impossível ser o que você está presumindo ser. De jeito nenhum vai haver uma utopia feminina ou uma comunidade em fuga de adolescentes na floresta ”, diz a artista. “É sobre essa impossibilidade, e imaginar, talvez, seja chegar um pouco mais perto disso.”

Construindo minha odisseia com palavras que encontro por aí