By Amity Dystyler

Tampouco essa afirmação significa dizer que existem “cidadãos de bem” em contraposição às “maçãs podres”

Aqueles que argumentam a favor da existência de pessoas e ações existentes em um plano moral totalmente “cinza” parecem não notar a ironia de que uma realidade totalmente cinza é apenas uma visão “preta e branca” do mundo.

Existem muitos idiotas no mundo. A internet e até mesmo o fascínio com alguns tropos dentro da cultura pop parece ter facilitado magneticamente o encontro e a disseminação de ideias entre tais idiotas.

No campo ligado à ética e à moral, hoje parece que temos uma hegemonia de duas ideias que, à primeira vista, parecem excluir uma a outra, mas que, dada uma análise mais cautelosa, podem coexistir:

(i) Existem “cidadãos de bem” e existem “maçãs podres”

Sobre essa primeira afirmação, recomendo a leitura do livro Muitos: Como as Ciências Comportamentais podem tornar os programas de Compliance Anticorrupção mais efetivos?

De fato, existem as chamadas “maçãs podres”. Fato é, entretanto, que sua quantidade é muito pequena, estatisticamente falando. Quantas pessoas você conhece que estão a todo tempo calculando riscos e buscando brechas para, ao menor sinal delas, poderem furá-las, tomando escolhas antiéticas e corruptas o tempo todo em benefício próprio?

Se sua resposta for “muitas”, seria importante rever seu círculo social. Se sua resposta for “poucas”, como a maioria de nós, prossiga.

(ii) A maioria das pessoas possui uma moralidade “cinza”

Peguemos o exemplo da cultura pop. A não ser que seu personagem seja um NPC ou alguém que não tem que tomar nenhuma escolha ética durante o decorrer da obra, não faz sentido, na esmagadora maioria das vezes, classificá-la como tendo uma “moralidade cinza”. Escolhas são tomadas, dadas a elas um contexto e, independentemente dos motivos,  ações são produzidas. Essas ações têm consequências.

Mais realista do que tomar as hipóteses (i) e (ii) como modelos de ação claros e sem falhas, é entender que a humanidade é capaz de grande bem, mas também de atos de violência que não tem qualquer justificativa moral ou ética para acontecerem. Não há qualquer razão dialética que possa justificar ou amenizar esses acontecimentos, tampouco há razão ou justiça presentes neles. No mundo real, existem ações pelas quais o contexto pouco importa, porque “ter um backstory triste” em nada justifica o extermínio de minorias, por exemplo.

Se olhar para um personagem com olhos empáticos devido ao fato que pessoalmente gostamos dele (por motivos que não suas ações reprováveis) fosse um fenômeno que acontecesse puramente no campo da ficção, não haveria grandes problemas. Porém, parece que estamos importando essa lógica no campo político-social. A admiração presentes até hoje em relação a figuras como Hitler, Stalin e Putin comprova isso. Entretanto, parece que aqui, o fandom de fato gosta desses personagens não apesar de suas ações reprováveis, mas principalmente por causa delas.

A distância entre Hitler, Stalin ou Putin e o valentão da sua escola está na diferença entre uma dinamite e uma bomba nuclear. Nenhum dos três subiu do inferno para a Terra. São caras. Caras comuns. Essas explosões causam estragos inteiramente diferentes, mas todas são explosões.

Dê ao valentão da escola o mesmo poder e influência que os três citados e muitos desses bullies fariam exatamente a mesma coisa. Justamente porque não existe nada sobrenatural ou sobrehumano na maldade deles. Não eram monstros, mas eram homens.

Grande parte das pessoas que nega isso em favor de uma narrativa de “pessoas ruins tem motivos para agirem assim” está tentando racionalizar algo para…

(i) se sentir melhor com a possibilidade que ela também tem de agir assim, tentando se distanciar ao máximo dessas figuras para conforto próprio e evitar uma dissonância cognitiva pesada

(ii) concordar silenciosamente com essas figuras e se reconfortar no fato de que “elas tinham motivos para serem do jeito que eram e eu também tenho”

O valentão do seu colégio pode ter motivos para agir do jeito que age? Pode. Ele pode ter problemas em casa, sofrer alguma forma de abuso? Sim. Isso é relevante para justificar a forma como ele age com suas vítimas? De forma alguma. Isso é “reconfortante” para as vítimas do seu abuso? NÃO.

E assim como ele pode ter motivos para agir da forma que age, existe muito bem a possibilidade, não pequena, de ser só alguém que gosta de se sentir maior em relação a outros que não conseguem se defender. Alguém que sente prazer nisso, pura e simplesmente.

Existem males para os quais não há qualquer argumento ético e/ou moral, onde não há qualquer presença da justiça ou da preocupação social.

Afirmar isso não é dizer que exista uma dicotomia entre “cidadãos de bem” e “maçãs podres” propriamente. Tampouco é afirmar que essa “separação” ocorre na maior parte dos indivíduos. Significa dizer que existem ações para os quais não há justificativa. Essa constatação é precisamente o que nos mostra que não se pode compactuar com uma visão “100% cinza” do mundo e da moralidade presente nele. Não há como relativizar campos de concentração com “Hitler perdeu o pai muito cedo na vida.”

Uma das questões que mais me chocam sobre essa conversa, pessoalmente, é o argumento de que “pelo menos o grupo X pensava que o que estava fazendo era por um bem maior.” 

Isso não é reconfortante. É horripilante.

Só serve para mostrar o quão distorcidas são algumas realidades psicocognitivas. O quão mentalmente perturbadas algumas pessoas ficam e são ideológica e socialmente.

Nenhuma vítima do holocausto se sentiria reconfortada pelo fato de que “os nazistas buscavam a melhoria genética das raças.”

Os nazistas sabiam o que estavam fazendo e simplesmente não se importavam. Pior, sentiam prazer em exterminar e extirpar qualquer um que fosse minimamente diferente deles.

É irônico pensar que idiotas descartam uma visão de mundo de duas cores apenas para substituí-la por uma visão de mundo de uma cor só.

A maior parte das pessoas não cai em um campo do agir moralmente cinza. Dado o tempo (e o poder de escolha), as pessoas mostram quem elas realmente são.

Nerd, geek, otaku e quem sabe futuro publicitário?