“De certa maneira, era como se a granja tivesse ficado rica sem que nenhum animal houvesse enriquecido – exceto, é claro, os porcos e os cachorros.”

De uma das obras literárias mais famosas à crítica de regimes autoritários, “A Revolução dos Bichos” (ou “Fazenda Animal”) completa 78 anos de lançamento. O livro foi escrito pelo britânico George Orwell e publicado em 1945, ano icônico para retratar  regimes autoritários, pois sua publicação ocorreu pouco mais de uma semana após a queda das bombas atômicas.

Quando Orwell critica regimes autoritários, sua burocracia e a perseguição ao pensamento, no entanto, o faz de forma ampla: dos regimes fascistas, ao stalinismo da URSS e ao império britânico.

“Havia chegado uma época em que ninguém ousava dizer o que pensava.”

A frase acima, que poderia ter sido retirada de “1984” (outro icônico livro de Orwell), vem da Revolução dos Bichos. Mas, se você ainda não leu o livro ou assistiu ao filme, não tem problema, a gente te conta um pouco sem te dar todos (só alguns) spoilers.

Em síntese, a fábula distópica conta a história de um grupo de animais revolucionários que buscou tomar o poder dos seres humanos para criar uma fazenda mais justa. Os animais que lideram a revolução são os porcos e o dono do rancho, Sr. Jones, possui um corvo, e os outros animais que merecem um destaque, aqui, são os cachorros – daqui a dois parágrafos, você verá um pouco mais sobre os animais em si e sua (simples, mas esclarecedora) representação na vida real.

Logo no começo da obra, a revolução promovida pelos porcos é um sucesso, mas o destaque da crítica de Orwell vem exatamente da contrarrevolução advinda por alguns porcos autoritários. Mas, afinal, qual é a correlação das personagens da obra com a realidade, fazendo com que o livro seja tão amado e, por vezes, até polêmico?

Inicialmente, é preciso compreender que a fazenda representa, em sua totalidade, a Rússia pré-revolucionária nos anos de decadência do czarismo, sendo o Sr. Jones a representação do czar e da nobreza decadente. O Velho Major, porco tido como mais sábio, é a fusão de Lênin com Marx, respectivamente, o líder da revolução russa e o teórico por trás, possuindo, inclusive, a teoria libertária do “animalismo”: uma analogia ao “marxismo”. Bola-de-neve é o porco inspirado em Leon Trotsky, comandante do exército vermelho que liderou a Revolução Russa de 1917 na vida real, enquanto sua contra-parte de focinho e rabo enrolado é tida como o herói da batalha contra os homens. Bola-de-neve desejava que os ideais da fazenda revolucionária se espalhassem para outras propriedades e que os porcos não acumulassem privilégios, sendo, então, expulso da fazenda e tido como inimigo público. A partir dali, tudo o que acontecia de errado era culpa de Bola-de-neve.

“Tornara-se comum dar a Napoleão crédito por todos os êxitos e todos os golpes de sorte.”

O porco Napoleão, supracitado e em destaque na foto anterior, é o representante do Secretário Geral do Partido Comunista de 1922 a 1952: Joseph Stálin. A crítica de Orwell vai de seu autoritarismo à perseguição não só aos porcos tidos como “traidores”, mas aos animais comuns, como Boxer: um cavalo que representa um setor da classe trabalhadora que se dedicava integralmente ao sucesso da revolução. Na história, Boxer é traído por Napoleão ao ser levado para o matadouro por estar velho demais achando que seria levado para ser cuidado por veterinários.

Além dos porcos, também há os cachorros, que apesar de não andarem sob duas patas (como os porcos haviam começado a fazer, mostrando que não havia mais diferença dos suínos para os antigos humanos que geriam a fazenda), possuíam privilégios e eram criados, desde filhotes, para a proteção de Napoleão e de sua burocracia, representando a GPU, o órgão policialesco vigente na antiga União Soviética.

Por fim, mas não menos importante (ou, para estudantes de comunicação, talvez o mais importante), há o Garganta: o porco mais próximo de Napoleão. É ele quem assume, na ficção de Orwell, o papel de fazer a boa propaganda da direção da fazenda, colando cartazes, organizando comícios, divulgando os comunicados oficiais e enaltecendo Napoleão enquanto um líder. O personagem é, na íntegra, uma alusão à propaganda vigente da burocracia soviética, tendo chegado a pichar nas paredes uma das frases mais famosas da obra:

“Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros.”

Se você gosta de história, política ou ficção, “A Revolução dos Bichos” é o livro que, enquanto te entreterá, te fará refletir sobre importantes temas que Orwell traz para a cena. Não dá para entender a realidade sem entender a revolução dos bichos.

Contando algumas histórias nas minhas próprias contradições.