Aqui chegamos a parte final da trilogia Jeen-Yuhs, e confesso que foi um prazer escutar todas as músicas que ajudaram a me tornar um fã de Hip-Hop, escutando algumas das minhas canções favoritas que estavam perdidas na biblioteca de músicas, e descobrindo novas músicas que passaram batido nas primeiras passadas pelos albums. E sem mais delongas, vamos ao Retorno do Yedi.

Durante o intervalo entre MBDTF e Yeezus, Kanye começou seu relacionamento com Kim Kardashian, e teve sua primeira filha, North, participando da vida da socialite de todas as maneiras possíveis. E após esse turbilhão de eventos, e de desabafar seu lado sombrio em Yeezus, é justo afirmar que Kanye entendeu sua imaturidade e aparentou ser uma pessoa mais centrada e normal em relação a suas opiniões e comentários, ainda que vez ou outra recebesse atenção por suas ações um tanto quanto questionáveis.

Essa dualidade entre a estrela egocentrica e o homem de família, que vinha aprendendo a lidar com todas as situações necessárias para ser uma boa pessoa, gerou a inspiração principal para o próximo trabalho do cantor; The Life Of Pablo.

A princípio, o nome do projeto faz referência a três figuras históricas conhecidas pelo nome Pablo: Pablo Escobar, Pablo Picasso e São Paulo, as quais se identifica de alguma maneira. O primeiro por ter sido o homem mais procurado do mundo durante seu auge, uma figura ilegal que sempre estava um passo a frente daqueles que tantavam o derrubar. Já pintor espanhol é referenciado devido a sua revolução no mundo da arte, a irreverência e até mesmo sua relação com as mulheres, que Kanye já havia deixado bem claro em Yeezus. E o terceiro, em uma espécie de redenção após se comparar com Jesus e Deus, decide sair do papel de figura enviada pelos céus para se tornar seu principal seguidor.

Essa dualidade entre o bem e o mal é a gasolina que nos leva pelas 20 faixas do álbum lançado em 14 de fevereiro de 2016, e aqui vale ressaltar que o álbum chegou incompleto às plataformas de streaming e foi atualizado pelo artista ao decorrer do tempo.

O álbum inicia com uma versão paz e amor de Kanye, se abrindo a respeito da sua crença na importância da religião e da salvação, entretanto, assim como Picasso, uma colagem de várias perspectivas e formas é transmitidas ao longo da experiência, Famous, onde Ye usa da polêmica de 2009 para resgatar seu estilo de enfrentar a mídia, e que poderia ter sido um tiro saído pela culatra se não fosse as gravações de Kim e a boa vontade de Taylor.

Músicas como Highlights e Waves resgatam o antigo Kanye, e se assemelham a momentos de Graduation, inclusive a faixa I Miss The Old Kanye, deixa bem claro as tentativas de voltar às origens de sua música de maneira repaginada e modernizada. Concluindo a experiência de maneira introspectiva com No More Parties in LA e Saint Pablo, onde deixa claro o amadurecimento da figura polêmica.

Em termos de produção, o álbum é mais uma obra completa do artista, utilizando da dualidade e da confusão que viveu para criar uma obra que apesar de confusa, não parece ter nada fora do lugar, e provavelmente foi criada pelo artista em seu ápice em termos de coesão musical, se tornando uma das principais obras da década de 2010, tanto em termos estéticos, uma vez que a direção de arte de tudo que envolve o projeto é exemplar, quanto em termos musicais, influenciando grandes nomes do mundo do hip-hop até hoje.

Após o lançamento do álbum, Kanye entrou em turnê, a Saint Pablo Tour, com visuais extremamente diferentes e que muitas vezes pareciam ter saído de dentro de um filme (especialmente Blade Runner), entretanto, como nem tudo são flores, durante a turnê, Ye teve uma piora significativa em sua saúde mental, falando coisas sem sentido no palco e tendo comportamentos fora do normal para qualquer pessoa. Após um show, o artista precisou ser internado devido a exaustão e confusão mental, inclusive tendo um caso de psicose. Durante essa estadia no hospital, foi diagnosticado com transtorno bi-polar e cancelou suas próximas aparições para focar em sua recuperação mental.

Nos meses decorrentes do incidente, Kanye manifestou publicamente suas opiniões políticas, pessoais e até expos divergências com amigos e familiares nas redes sociais, e em um estado de confusão mental segundo sua própria família, anunciou seus dois próximos projetos Kids See Ghosts com Kid Cudi, e ye, ambos lançados em junho de 2018.

Não entrarei a fundo em Kids See Ghosts pelo mesmo motivo de Watch The Throne, mas é inegável que ambos os álbuns parecem complementares um ao outro, com a participação de Cudi sendo o lado bom dessa dupla. ye por si só é visivelmente afetado pelas recentes experiências de Kanye, como falta de coesão e por ser extremamente confuso, até mesmo dentro das próprias músicas que parecem não saber onde querem chegar, ainda que esse efeito seja proposital, a experiência no geral não chega perto a suas obras anteriores.

Porém, é importante destacar a música Ghost Town, que além de ser a música mais bonita e transcendental de sua discografia, também foi uma esperança de que o artista estava recuperando sua sanidade, assim como Violent Crimes.

O álbum não fez tanto sucesso como seus predecessores, mas ainda assim, marcou um pequeno período de tempo, muito pela esperança de que Kanye estava melhorando depois dos recentes ocorridos, e seu próximo álbum aumentou ainda mais essa sensação.

Jesus Is King foi lançado oficialmente em 25 de outubro de 2019, e como o nome sugere, é um álbum gospel em que podemos ver Ye se devotando a Deus e produzindo algumas obras bem diferentes daquilo que estávamos acostumados. Realmente é difícil comparar com qualquer obra do artista, tanto pela temática, tanto pelo uso de corais e de instrumentais extremamente diferentes de suas obras anteriores.

Apesar de não fazer o meu gosto, é inegável que esse álbum é fenomenal em termos de produção, músicas como Selah e Use This Gospel mostram o esforço na produção de uma obra gloriosa. A crítica não gostou tanto do álbum, mas ainda afirmou que há uma evolução em relação a seu último disco, ainda que grande parte dessas críticas sejam justamente pela temática geral do projeto, e pelo fato do projeto ser uma reciclagem de Yandhi.

Bom, a partir de agora é onde todas as coisas começam a ficar ainda mais sombrias e confusas, tanto na vida pessoal, quanto em seu trabalho. Kanye e Kim anunciaram publicamente sua separação, com momentos deploráveis de ambos os lados, como a proibição imposta por Kim de Ye ver seus filhos, e os discursos de Kanye no Instagram e Twitter sobre a situação, que com certeza só pioraram as coisas para todos os envolvidos.

A ideia inicial do próximo projeto de Kanye supostamente era para ter sido lançada em 2020, entretanto, após diversos problemas que envolvem as condições mentais de Ye, o álbum foi adiado várias vezes, inclusive sendo rebatizado para Donda.

Para divulgar o álbum, Kanye realizou dois shows performando o álbum por completo, onde o cantor estava física e mentalmente abalado, chorando diversas vezes no palco principal e encenando momentos constrangedores, principalmente em relação a Kim. Inclusive o artista morou temporariamente num quarto no subsolo do Mercedes-Benz Stadium a fim de melhorar o projeto o máximo possível.

Lançado com meses de atraso em 29 de agosto de 2021, Donda acabou tendo o mesmo tratamento de atualização que TLOP, inclusive sendo drasticamente alterado das versões das Listening Parties em Atlanta e Chicago, com diversas inclusões e exclusões de artistas e até mesmo uma música nova, Life Of The Party.

Após o grande hype criado pelo artista e pela mídia, a entrega “final” foi considerada um desapontamento geral no círculo da música nas primeiras semanas, entretanto, a mudança drástica de Kanye em sua obra abriu espaço para uma nova experiência, muito mais contemplativa e introspectiva que seus álbuns anteriores, e músicas como Hurricane, Moon, No Child Left Behind e Keep My Spirit Alive mostram a vibe geral do álbum.

Como apontaram demais críticos, a obra realmente tem uma escassez de coesão temática e até mesmo músical, repleta de “pt(s).2” que tentam alongar uma experiência que não necessariamente precisaria ser tão extensa, tirando o valor da simplicidade e da boa estrutura, em troca de uma experiência supostamente mais completa. Entretanto, o sentimento geral não é negativo, e sim uma experiência de engrandecimento e elevação, algo que Kanye soube muito bem como trabalhar e fundir com as experiências turbulentas de sua vida, colocando seu máximo esforço em sua obra final até então.

Não acho que precise entrar em detalhes das recentes declarações de Kanye, principalmente a respeito de comunidades religiosas e étnicas, muito menos sobre suas postagens nas redes sociais e brigas com amigos e colegas de profissão, até porque estariamos entrando em um tópico muito mais complicado e nefasto do que apenas suas atitudes.

Entretanto, também não posso deixar de dizer o quanto me decepcionei com essas mesmas atitudes, e isso acabou me afastando por um bom tempo de suas músicas e obras, algumas que só redescobri ao escrever esse texto. E aqui devo afirmar, por mais desagradáveis que sejam suas ações, não estamos falando de uma pessoa em um estado mental estável, que mesmo assim deve ser responsabilizado por suas ações ,mas também também deve ter o mínimo de compreensão não só por sua carreira, mas por também ser um ser humano como qualquer outro, um ser humano que em suas próprias palavras “tem o dom de estragar as coisas”, e que principalmente, sente a falta de sua maior inspiração e amiga; sua mãe.

Travis Scott disse em seu último show “Não existiria Travis, se não fosse por Ye”, e pode-se afirmar, realmente não haveria Travis, tampouco Juice WRLD, Kid Cudi, Chance The Rapper ou Drake. Seu trabalho na música é impecável, carregando uma das maiores discografias de todos os artistas, tanto as lançadas sob seu nome, quanto aquelas que produziu, entretanto, todo esse talento não pode ser utilizado para se redimir de suas atitudes e posturas repulsivas dos últimos tempos.