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Jorge Luis Borges já nos ensinou que o livro é uma extensão da memória e da imaginação humanas e sua função seria recordar o passado. Livro como desaguadouro da realidade: fatos e experiências perdem sua dimensão fugaz ao ganharem a perenidade da página em branco. Livros lançam mundos no mundo e é justamente este jogo de espelhos que presenciamos ao adentrar no Pavilhão da Itália na Bienal de Veneza, batizado de “Codice”, que tão bem ilustra a ideia do Mundo como metáfora de um grande Livro.

Logo de início me deparo com a instalação de Peter Greenaway, artista por quem tenho especial carinho, principalmente por suas obras cinematográficas. São quatro gigantescas telas nas quais são projetados os experimentos áudio visuais do artista, construindo uma espécie de enciclopédia com imagens da história da arte italiana.

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Outro artista convidado do pavilhão é o artista sul africano William Kentridge que preenche toda uma grande sala com seus desenhos em homenagem à cultura italiana. Com sua habitual ironia poética, o artista revisita o universo do cinema italiano recriando imagens de filmes de Federico Fellini, bem como figuras simbólicas da arte italiana.

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Umberto Eco ganha merecido destaque com um belo projeto arquitetônico que remete à sua monumental biblioteca e ao seu amor aos livros. Ao subirmos as rampas da edificação nos deparamos com três vídeos com seus depoimentos. O primeiro deles fala, metalinguisticamente, da importância dos livros para a cultura da humanidade. O filme termina com um passeio por sua biblioteca. Nem preciso relatar que fiquei encantado com seus lúcidos depoimentos e, para minha alegria, encontro os vídeos no site de Bienal.

Outros artistas que ocupam o Pavilhão da Itália:

Claudio Parmiggiani que recria ou evoca a obra “Melancolia” de Albrechet Dürer.

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Vanessa Beecroft que utiliza o mármore e o bronze na instalação que alude às esculturas greco-romanas como uma paródia aos dias atuais com seu caos e ruínas.

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Mimmo Paladino cria uma instalação impactante com sua escultura enredada por arames e galhos de árvore.

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Como já sugeria o curador desta Bienal, o tema “Todos os Futuros do Mundo”, assim como a grande maioria das obras expostas no evento, apontam para uma citação de Walter Benjamin, comentando o quadro de Paul Klee. Analogia perfeita aos tempos em que vivemos, provando, mais uma vez, que Arte e Vida são inseparáveis:

“Existe um quadro de Klee intitulado “Angelus Novus”. Nele está representado um anjo, que parece estar a ponto de afastar-se de algo em que crava o seu olhar. Seus olhos estão arregalados, sua boca está aberta e suas asas estão estiradas. O anjo da história tem de parecer assim. Ele tem seu rosto voltado para o passado. Onde uma cadeia de eventos aparece diante de nós, ele enxerga uma única catástrofe, que sem cessar amontoa escombros sobre escombros e os arremessa a seus pés. Ele bem que gostaria de demorar-se, de despertar os mortos e juntar os destroços. Mas do paraíso sopra uma tempestade que se emaranhou em suas asas e é tão forte que o anjo não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, para o qual dá as costas, enquanto o amontoado de escombros diante dele cresce até o céu. O que nós chamamos de progresso é essa tempestade.”

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João Carlos Gonçalves (Joca)

Doutor em Linguagem e Educação pela USP; Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor de Fundamentos da Comunicação e Semiótica Aplicada na ESPM.

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