HQs

Obrigado, Alan Moore

A indústria dos quadrinhos é feita por inúmeras histórias e personagens enfrentando adversidades diariamente através das mãos de talentosos desenhistas e roteiristas. No entanto, há certos acontecimentos que podem abalar por completo a indústria de uma vez ou outra. Seja na forma como as histórias são contadas ou personagens criados, Alan Moore foi responsável por muito do que conhecemos por heróis ou melhor, uma forma distorcida do que podemos representar na figura de alguém “superior”.

Após quase 40 anos criando através da sua genialidade, o escritor britânico barbudo e excêntrico decidiu “pendurar a caneta” e irá se despedir com suas últimas obras: Jerusalem e mais alguns projetos.

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Enquanto meros mortais, nós podemos apenas agradecer por suas obras que marcaram muito nossa percepção no mundo das HQ’s.

Dentre seus trabalhos mais famosos temos o icônico Watchmen, A Piada Mortal, a série do Monstro do Pântano, V de Vingança e também a Liga Extraordinária, porém o Leo Amaral, ex-newronio, nos concedeu a honra de falar sobre elas e o papel de Moore com essas obras em outro texto.

No entanto, em 40 anos de trabalho Moore teve a oportunidade de criar muito para o universo dos quadrinhos sempre da maneira mais excêntrica e louca, como alguns acham.

Muitos dos trabalhos de Moore foram para a 2000 Ad e dentro de seu portfólio temos a criação de Halo Jones, a primeira personagem feminina forte e de destaque para a editora. Nas histórias Sci-Fi de A Balada de Halo Jones, temos essa mulher no século 50. Em um futuro com poucas oportunidades de trabalho e uma sociedade vegana chamada The Hoop, Jones vive uma vida comum em circunstâncias extraordinárias. Porém, a partir de um acontecimento em sua vida, ela decide viajar por toda galáxia e ganha notoriedade por todo o espaço. Diferente do que a editora tinha como proposta, armas lasers, guerras e gore, Halo Jones surge para mostrar que havia espaço para mulheres em um universo que parecia dominado por leitores masculinos.

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Quando Moore trabalhou na Warrior, ele deu seu tom sombrio para o herói Miracleman. Em 1982 o escritor decidiu trazer uma reviravolta na vida do personagem, o tornar um homem comum que esqueceu que já foi herói. Vivendo uma vida pacata em um casamento conturbado e com muitos pesadelos, Michael Moran acaba descobrindo um pouco mais sobre seu passado e a experiência de laboratório com material alienígena que o transformou em herói, por conta disso ele vai atrás de muitos “fantasmas” de seu passado. Nas edições que Alan escreveu aproveitou para trazer temas bastantes recorrentes em sua obra como a desconstrução do que é ser um herói, a mitologia que circula os heróis e até a figura de um vilão que o público se identifique.

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Entre 1991 e 1996, Moore explorou um passado mais real através de Do Inferno, uma graphic novel publicada em 12 edições que contava a história do grande serial killer britânico, Jack O Estripador. Com o título inspirado em uma suposta carta deixada pelo assassino em 1888, os desenhos preto e branco eram a forma que Moore e o ilustrador Eddie Campbell usaram para debochar também das futilidades da era Vitoriana e deixar toda a narrativa com um tom ainda mais sombrio. Na história, o autor deixa claro que a sua tese quanto ao assassino era a de uma conspiração para encobrir um escândalo da família real.

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A pedido de outro artista Moore teve a oportunidade de dar continuidade às histórias do Supremo, herói criado por Rob Liefeld, mas aceitou com uma condição: reescrever o personagem. Esse herói foi criado para servir como uma linha mais violenta e bastante arrogante do Superman na HQ´s independentes de Liefeld, mas com a entrada de Moore muita coisa iria mudar. Entrando na edição 41 do personagem, Moore decidiu dar uma limpada em toda a continuidade pré-existente dele e fez de Supremo um tributo à Era de Prata do Homem de Aço que introduziu personagens como Supergirl e o cão Krpto, criações de Mort Weisinger. No universo de Moore o herói era mais uma encarnação de uma figura icônica que existiu em várias gerações, tanto que os “Supremos aposentados” viviam na realidade da Supremacia.

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Promethea foi outra aposta de Moore que teve ao todo 32 publicações e contava a história de Sophie Bangs, uma estudante que vive uma Nova Iorque futurística. Diferente do que já havia feito, essa história retrata muitos aspectos do ocultismo, gnosticismo, magia e vida após a morte. Nas edições, Sophie descobre que é possuída por uma entidade recorrente na humanidade, Promethea. Seu grande objetivo na terra é trazer o dia do juízo final através dos seus poderes mágicos. Dentro das múltiplas referências religiosas vale ressaltar o debate sobre a vida após a morte e a chamada Árvore da Vida (da Cabala judaica). Moore ao longo da história aproveita para fazer diversas metáforas a respeito de nossa sociedade e crenças, quase que numa espécie de Jung nos quadrinhos.

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Enquanto a maioria de suas obras tem uma perspectiva bastante negativa e desoladora quanto aos heróis, Tom Strong é sem sombra de dúvidas seu trabalho bem mais otimista e com uma cara diferente. Fazendo parte da Best Comics of America, Strong é um herói da ciência, com muitas capacidades sobre-humanas como longevidade, intelecto superior e envelhecimento retardado. Em inúmeras histórias de Strong há uma mistura de vários elementos já conhecidos na indústria como viagens no tempo, velho oeste, aventuras espaciais e até mesmo infinitos universos em que o personagem encontra outras versões dele mesmo. Moore não fez todas as histórias desse personagem, mas o criou e também retornou para edição final.

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Alan Moore trabalhou muito no gênero e ao longo dos anos foi capaz de criar histórias surpreendentes. Como ele gosta de dizer “se o público soubesse pelo o que esperar, eles não seriam o público, mas o artista” e sempre coube ao grande Alan Moore nos ajudar a compreender um pouco mais os fardos na vida dos heróis. Agora nos resta apenas agradecer por quase 40 anos de muito talento.

Luiz Daniel Gattaz

Com o pé na estrada e a cabeça na lua.

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