O filme Me Chame Pelo Seu Nome, de 2017, ganhou muita fama de ser belo, triste, emocionante. No entanto, se tirarmos de contexto o enredo, qualquer pessoa apontaria os seus acontecimentos como um caso de pedofilia, em que qualquer ilusão de amor e romance não passa de uma triste consequência do poder de manipulação do maior de idade ao menor. E, se tirarmos a linda fotografia, os cenários maravilhosos e a trilha sonora impecável, percebemos que o filme realmente não é belo.
Timothée Chalamet e Armie Hammer interpretam os personagens Elio e Oliver respectivamente. Timothée tinha 21 anos quando o filme foi lançado, embora pareça mais novo, perfeito para interpretar Elio, que tem 17. Armie Hammer tinha 30, e de fato aparenta ter, apesar do personagem Oliver ter 24. Visualmente, portanto, a diferença de idade é aumentada, o que é uma escolha incômoda. É importante ressaltar que os dois atores são homens héteros.
A relação entre Elio e Oliver é baseada no toque. O primeiro toque entre eles acontece muito cedo no filme e já ocorre com ambos sem camisa. Sem o sexo, eles não existem. A relação entre homens já é estereotipicamente hiperssexualizada e fetichizada, portanto retratá-la com tamanha dependência ao toque é um desserviço para a comunidade. Caso retirássemos todas as cenas como conotação sexual do filme, não nos resta nada que nos diga que estes são homens apaixonados. Quando lembramos que tanto o autor do livro quanto o diretor do filme são homens héteros é ainda mais evidente que essa representação da homoafetividade masculina é pura fetichismo.
Essa conotação sexual exagerada e constante aparece de diversas maneiras nas escolhas do diretor. O uso de comidas é frequente, o que é uma metáfora para o fruto proibido – e é preocupante pensar em que proibição é essa a que se refere o diretor, sexualizando ainda mais os limites da diferença de idade, inclusive. A mais infame cena hiperssexualizada é a do pêssego, em que Elio usa a fruta para se masturbar. No filme, foi tomada a feliz decisão de não mostrar a cena do livro em que Oliver conscientemente come a fruta em questão. Mas essa cena só se diferencia das outras por ser explícita – a carga de subtexto sexual é constante com quase todos os outros elementos que conectam os personagens.
Por que, apesar de tudo isso, eu coloco que o filme é quase bom? Praticamente, duas coisas o arruinam: o autor do livro e o diálogo final entre Elio e seu pai. Sem elas, o filme poderia ser não um romance, mas um ótimo retrato da visão de uma vítima da relação com seu agressor. A obra é tão insensível às próprias hiperssexualizações, tão rápida em transformar tudo em amor, que esse parece seu objetivo. Como se estivéssemos vendo o ocorrido nos olhos de Elio, inocente e apaixonado, incapaz de enxergar a violência que sofre, e ao final fôssemos obrigados a enfrentar, junto a ele, a decepção de perceber que nada da história teve a ver com amor. Mas, infelizmente, não é essa a pretensão do longa: ele foi (mal) realizado como uma história de amor, mesmo.
André Aciman, o autor do livro que inspirou o filme, sempre defende sua criação como uma história de amor como qualquer outra, o que já arruina qualquer esperança de que o filme contenha uma mensagem sobre pedofilia. Isso é evidenciado no diálogo que Elio e seu pai têm ao final do filme, que é tão genuinamente bonito que parece que ele foi recortado de alguma história verdadeira de amor e colado em Me Chame Pelo Seu Nome. Não vou entrar em detalhes sobre essa fala, mas posso dizer que ela definitivamente, na vida real, não seria dita pelo pai de um menino de 17 anos que descobre que seu filho está sendo sexualizado por um homem mais velho.
A verdade é que a comunidade LGBT+ está tão esfomeada por conteúdo representativo que a reação inicial é a de se apegar a tudo aquilo que parece uma história bonita. O pensamento crítico acaba surgindo só depois de passada a emoção de se reconhecer minimamente na tela, e no caso de Me Chame Pelo Seu Nome, isso aconteceu um tanto tarde demais, se é que aconteceu para a maior parte dos espectadores.
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