Estados Unidos da América, década de 70: O movimento hippie, o escândalo de Watergate, o vexame do Vietnã e a juventude libertária. A febre disco coroava os jovens batalhadores de Woodstock e eternizava aqueles que perderam suas vidas no oriente.
Brasil, década de 1970: O governo Médici, Geisel e Figueiredo, a juventude brasileira começava ali a sua guerra civil por direitos que somente algum tempo depois desfrutaríamos, em parte, os valores morais numa sociedade engessada regida pela censura e pela escuridão.
Passada essa pequena contextualização temporal, chegamos a 2016, o mundo digital de tantas séries e filmes, dentre elas, uma em especial parte para sua segunda temporada pela HBO, Magnífica 70. A série exibida em 2015, criada por Cládio Torres, Leandro Assis e Renato Fagundes traz todo o erotismo e violência de Game of Thrones com uma pitada de Nelson Rodrigues. A segunda temporada vai ao ar dia 02 de outubro as 22 horas na HBO.
A ficção como saída dos padrões impostos pela Ditadura militar. Teaser da segunda temporada.
No coração da Holywood brasileira, a rua do Triunfo, centro de São Paulo, a série recria a Boca do Lixo, lar dos malandros, garotas de programa, intelectuais, revolucionários e do cinema paulista. Você pode até conhecer o lugar pelas “Pornochanchadas”, mas a indústria cinematográfica da Boca traz muito mais que apenas pornografia acessível na época. A internet disponibiliza hoje todo tipo de material pornográfico, com um acesso muito mais fácil e dinâmico, basta dar um clique “errado” que já surgem diversos pop-ups e todo tipo de material.
Não, as produtoras da Boca foram muito mais que isso, tratando-se de uma sociedade reprimida por valores impostos e mantidos pela Censura nacional, um respiro de liberdade num ambiente totalmente diferente do resto do país. O centro de São Paulo representa a livre criação e um manifesto contra a ditadura militar, a luta ocorria nas telas dos inferninhos.
Em paralelo as produções da Boca na década de 70, temos a indústria pornô dando seus primeiros passos nos EUA, uma das figuras icônicas desse período é a atriz Linda Lovelace, a primeira grande estrela pornô americana. Mas, uma obra que ilustra perfeitamente esse período de profissionalização do erótico como produto de entretenimento é Boogie Nights, de 1997, com Mark Whalberg, que ilustra a jornada do desconhecido ao estrelato e a decadência.
A principal diferença entre a industria pornô e as produções independentes da Boca é a diferenca contextual vivida pelos dois países, um colhia os frutos de uma década anterior marcada pela conquista de liberdades e pelo lugar de fala da juventude, enquanto nas terras tupiniquins era travada a batalha contra a o governo militar.
Além de explorar o espírito contestador da Boca do Lixo em meio a uma história de Romeu e Julieta trambiqueiros, a produção conta com a consultoria de um dos mais famosos cineastas do período: Alfredo Sternheim, autor de produções como, As vigaristas do Sexo e Sexo dos anormais.
Toda a limitação que os diretores da Boca continham, se assemelha aos grandes títulos do cinema, que tiveram baixo orçamento e uma ideia original, como Dogma 95 e Cães de Aluguel. A importância da Rua do Triunfo para a cultura nacional é tanta, que a única produção nacional a ganhar a Palma de Ouro em Cannes, O pagador de promessas, em 1962, saiu de uma das tantas portinhas em meio aos botequins da Boca.
Texto de Vittorio Laginestra