Como eu disse na parte 1 desse texto, Encanto é tão incrível que eu poderia escrever páginas sobre ele. E eu vou.
Agora que entendemos toda a pressão que a família Madrigal sofre e muitas questões psicológicas de cada personagem, podemos aprofundar como a Disney nos influencia através da estética do filme, utilizando cores específicas e seus significados. Ademais, também falarei da maior questão do filme: a raiva que acabamos sentindo pela Alba, a abuela da família. E porque suas ações, apesar de não serem justificadas, possuem explicação.
A Disney deixa evidente os papéis dos personagens através das cores tanto de suas roupas, quanto de seus poderes, algo bem perceptível em Encanto. Bruno, que é considerado um vilão por sua mãe, tendo em vista que “envergonhou” a família e não honrou seu dom, é descrito pela cor verde. Suas roupas, seus olhos, seu poder e suas visões possuem o mesmo tom; algo já visto em grandes vilões como Scar de O Rei Leão e O Homem das Sombras de A Princesa e o Sapo. Entretanto, a escolha não foi aleatória.
O verde é uma cor que representa ganância ou inveja, algo que casa perfeitamente com as dificuldades de Bruno em relação ao seu poder. Outra personagem que também é afetada pela cor da inveja é Mirabel. Diferente de Bruno, ela não possui toda sua caracterização em torno disso, mas seu acessório mais importante, o óculos, é do mesmo verde que seu tio.
Além disso, essa cor representa a mudança das personagens e sua libertação das pressões da família; algo evidenciado com Isabela na música “What Else Can I Do?”, em que ela percebe o alcance de seu poder e se afasta da perfeição e beleza caracterizadas pelo rosa.
Assim, entendemos também que toda a relação com as cores diz respeito à forma como a abuela enxerga seus parentes: Bruno como uma vergonha, Mirabel como invejosa e Isabela como perfeita (pelo menos até ela descobrir como criar outras plantas). Por esses e outros motivos, Alba é vista como a vilã do longa. Entretanto, antes de definirmos o papel dessa personagem tão complexa para a história, vamos entender um pouco de seu passado. Alba encontrou o amor de sua vida na juventude, se casou e teve seus filhos. Quando as crianças ainda eram bebês, ela, seu marido e sua comunidade precisaram fugir; na tentativa de proteger sua família, o pai de seus filhos foi morto na sua frente.
Ao enxergar o assassinato de seu marido, a dor de Alba e sua vontade de proteger aqueles que ama iniciou o Encanto, fazendo com que um vilarejo cercado por montanhas surgisse ao seu redor. Assim, cai sobre ela a pressão de proteger seus filhos e sua comunidade, da forma como seu marido fez até a morte, e garantir a continuidade dos dons pelas gerações de sua família. Isso acaba explicando a maneira como ela pressiona a família, principalmente depois do Encanto não funcionar com Mirabel, uma vez que, se não funcionar com mais ninguém da família, ela sente que todos estarão vulneráveis de novo e ela terá falhado com aqueles que ama.
Novamente, essas atitudes não são justificáveis. Existem maneiras de lidar com trauma que não envolvem machucar sua família, mas aí caímos no dilema do pai alcóolatra. Um pai alcoólatra tem dois filhos; quando adultos, um deles foge o máximo que pode do caminho do pai, evitando bebidas e dando o máximo de amor e carinho para seus filhos, já o outro, acaba do mesmo jeito, com suas adições e vícios iguais aos de seu pai. Ambos tiveram a mesma criação e o mesmo pai, mas cada pessoa processa esse trauma de uma forma. Então, quando prestamos atenção no peso que caía em Alba, tanto como matriarca de uma família enorme, quanto como referência e “protetora” de um vilarejo inteiro, conseguimos entender um pouco os motivos pelos quais ela era tão rígida.