Poesia, samba, rock e carnaval; amores da vida toda, os de uma noite só e todas as decepções que vez ou outra vêm junto disso tudo: é sobre isso que O Grilo faz música. A banda paulistana canta sobre as felicidades e incertezas dos nossos vinte e poucos anos de brasileiro, traduzindo as angústias (e alívios) de descobrir que, na verdade, Você Não Sabe de Nada. E mesmo quando não podemos estar festejando pelas ruas de São Paulo, seu disco de estreia nos puxa para dançar e cantar em alto e bom som.

A banda foi formada em 2016 e reformada em 2019, contando hoje com quatro integrantes: Felipe Martins, o Fepa (guitarra), Gabriel Cavallari (baixo), Lucas Teixeira (bateria) e Pedro Martins (vocal) – lançando no dia 26 de Março, o seu álbum de estreia. Você Não Sabe de Nada tem 13 faixas e reforça a pegada d’O Grilo de trazer o som do Brasil para o brasileiro, misturando rock, samba, MPB e tudo mais que vem daqui. 

O Newronio teve a oportunidade de conversar com Lucas Teixeira, que contou um pouco mais sobre o processo de criação do disco.

“Por um tempo a gente não pensava em composições. Estávamos muito focados em acompanhar o ritmo das coisas, tocar o que já tínhamos e não deixar a peteca cair. Era época que o Fepa tinha entrado na banda, que nos apresentamos no Lollapalooza e os shows foram ficando maiores e mais frequentes” conta o baterista.

“Então 2020 entrou e, um pouco antes da pandemia, já estávamos reunindo algumas criações. Foi um momento de muitos encontros, quando cada um começou a se entender mais artisticamente, mas também desencontros, já que cada um queria colocar um pouco de individualidade nesse primeiro disco e a gente precisava entender até onde isso caberia dentro de um coletivo.”

“Com a pandemia a banda conseguiu se adaptar bem, trabalhando à distância. Cada um aprendeu a mexer em um programa de áudio e enviar as próprias composições.” continua Teixeira, “Inclusive, muitas músicas só pudemos ensaiar juntos uma semana antes de gravar, quando nos isolamos num sítio em Limeira e ficamos quinze dias trancados em imersão, só pensando em álbum e gravando. Num segundo momento, foi muito bom, porque, com certeza, o álbum tem essa cara pelo tempo que passamos juntos pensando e montando ele.”

Você Não Sabe de Nada começa cantando sobre sereias e noitadas solitárias em “Trela”, dança o forrock de “Guitarrada” e o rock sambado de “Contramão”. Já nas primeiras faixas, entendemos que O Grilo veio para muito mais do que o primeiro EP do grupo, “Herói do Futuro”, que já falava do potencial dos músicos, conquistando os palcos do Lollapalooza e uma legião de fãs. A banda explora cada música com uma profundidade impiedosa, misturando gêneros e metáforas impecáveis, produzindo faixas únicas, brilhantemente individuais, que se conectam com uma destreza que só O Grilo parece dominar. 

“O que é legal d’O Grilo é que a gente não limita nada, o álbum tem influência tanto de uma guitarrada do Pará quanto Pink Floyd. Tentamos sempre, além da canção, construir um instrumental que faça com que a pessoa não enjoe rápido da música. Algo que você possa ouvir várias vezes e descobrir coisas novas cada vez.”

Ouvimos a entonação crítica, atual e política de “Tudo e Mais Um Pouco”, que toca a frustração com o desgoverno do país e a exaustão da conformidade por tudo que  “ontem era novo e hoje é segunda-feira”. Já a acidez pontual de “Meu Pior Amigo” é gostosa de ouvir e de cantar, assim como a nostalgia precoce de “Vou Levar”. A segunda é a grande favorita do público (e, particularmente, a minha também), que, junto com “Infinito (-1)”, mas de maneiras completamente diferentes, canta a saudade absurda das coisas mais simples do mundo pré-pandemia, a sede de viver” e a promessa de não deixar a vida passar correndo pela gente. É uma ode ao bom proveito dos dias, mesmo os ruins. 

“Meu Amor” é outra que também abraça a temática Carpe Diem do disco, sendo um dos primeiros singles a serem lançados e que deixou o público vibrando por mais. Essa ainda precede “Vou Levar” e abre caminho para a ponte sagaz de “E daí, Eu Sei Lá” e a  recobrada de si mesmo em “Adeus” que, por sua vez, pavimenta o sonho das paixões avassaladoras de “Onde Flor”: “Quero viver um grande amor e morrer de saudade”.

“A gente tem uma conexão especial com Onde Flor, porque até pouco antes de viajarmos juntos, não existia essa música.” revela Teixeira, “No dia que nos encontramos, entre os intervalos de ensaio, o Pedro veio mostrar o que ele tinha composto no dia anterior. Quando ele tocou Onde Flor pela primeira vez, não tinha dúvida que ela iria pro álbum. Faltava três dias pra gente ir pra Limeira gravar e paramos tudo que estávamos fazendo pra fazer essa música juntos. Foi meio mágico.”

Enquanto isso, a canção que deu nome ao álbum e a faixa bônus são duas que mais surpreendem qualquer um que escutar. A primeira, pela orquestra intimista, composição de estilo bossa nova e o tom irônico de viver tentando ignorar a finitude da própria existência. A última, “Malabaristas de Granadas”, furta nossa atenção e emoção com sua lírica arrebatadora, cobrando atitude de quem ouve, para viver sem ter medo de ser feliz. 

Além disso, o lançamento do disco também é acompanhado de um visual que vai além da capa: a banda paulistana apresenta um livro que mistura as cifras das músicas com histórias em quadrinhos. O Grilo trabalhou junto do cartunista Pietro Soldi para criar os textos e as imagens que montam a “experiência gráfica” com humor e criatividade, através do protagonismo de Lauro. O personagem 2D é descrito ainda como o “arquétipo” da banda, chega a ser difícil ouvir as canções sem pensar nele como eu-lírico. 

“Depois de gravar o disco percebemos que tinha meio que um enredo por trás, uma parada meio escondida. Parecia que estávamos contando uma história sem necessariamente a gente falar de um personagem, saca? Daí veio a ideia de ilustrar esse personagem.”

“O Lauro é aquele personagem que quer falar muita coisa, o dono da razão e centro das atenções. Percebendo ao mesmo tempo que, na verdade, ele precisava fazer as pazes consigo mesmo sem buscar atenção dos outros, só assim ele poderia levar uma vida mais leve.”

O livro será disponibilizado na loja Rockambole e conta com histórias dos bastidores, rascunhos, fotos, cifras, além da própria narrativa do Lauro. Quanto aos próximos lançamentos da banda, Teixeira garante que podemos esperar ansiosos pelo clipe de “Guitarrada”, que tem previsão de lançamento entre o fim de Abril e início de Maio. Além disso, O Grilo também está trabalhando nos clipes de “Adeus” e “Onde Flor”.

Por fim, Você Não Sabe de Nada mostra a quem quiser ouvir que é possível encontrar alegria nos dias difíceis – e que qualquer experiência nesse mundo todo errado, por pior ou melhor que seja,  ainda pode virar arte (até mesmo um disco impossível de parar de escutar). 

Construindo minha odisseia com palavras que encontro por aí