Comportamento

“Você é diferente das outras garotas” e a misoginia internalizada por trás dessa frase

By livs

August 31, 2021

Garotas são chatas não é mesmo? Elas são dramáticas e gostam de coisas fúteis como maquiagem e roupas…

Com esse pensamento criamos uma sociedade na qual muitas mulheres amadas no fundo são apenas mulheres que internalizaram ou criaram ódio por outras mulheres. O fenômeno cultural de “I’m not like other girls” — ou, “eu não sou como as outras garotas” em português — é na realidade uma reação social herdada da misoginia.

Primeiramente é importante definir o conceito de misoginia internalizada e o “ser diferente de outras garotas”. A misoginia internalizada refere-se a quando mulheres projetam pensamentos sexistas inconscientemente sobre outras mulheres ou até sobre elas mesmas; já o conceito conhecido fora do Brasil como “I’m not like other girls” é uma expressão usada para definir uma garota que tem algumas ações que não seguem a “imagem” social que criamos de meninas.

Alguns comportamentos que geralmente são vistos como “diferenciais” são: ser boa ou gostar de esportes, jogar videogame, não usar saias ou vestidos e sim usar roupas como camisetas de banda ou anime por exemplo, além do famoso “não” usar maquiagem. Esses diferenciais que nos fazem menosprezar comportamentos vistos tradicionalmente como femininos enquanto glorificamos os tradicionalmente mais masculinos.

O grande problema da mistura entre esses dois conceitos é que ele passa a alimentar cada vez mais a misoginia que está enraizada dentro de todos nós, incentivando a rivalidade feminina e eterna busca por ser ou ter uma mulher perfeita, diferente das outras…

O problema nunca esteve na mulher que ama esportes ou que não gosta de maquiagem, o problema está numa sociedade que nos faz acreditar diariamente que estas são superiores.

Se você automaticamente olha com desdém para a mulher que tem uma vida sexual bastante ativa ou se vê justificando assédios inconscientemente pela roupa ou comportamento da vítima: parabéns, você sofre com a horrenda misoginia internalizada! A parte mais triste é que não é sua, ou minha culpa, todas nós somos subordinadas por misoginia internalizada em alguma medida. É simplesmente inevitável e triste.

Para exemplificar melhor os malefícios que são herdados desse conceito, vamos elaborar brevemente em cima do que vou chamar de estigma do esforço.

A imagem de garotas diferentes que amam comer pizza e beber cerveja com os garotos é fortemente presente no estereótipo que estamos abordando; na mídia algumas personagens muito amadas por homens e mulheres são assim. Como por exemplo, uma personagem que eu amo: Gracie Hart de Miss Simpatia (2001) interpretada por Sandra Bullock. Apesar de ser completamente apaixonada por esse filme, ele literalmente retrata uma policial que age como os garotos, não se esforça nem um pouco e precisa passar por uma transformação para se tornar feminina e entrar infiltrada num concurso de beleza. A questão é que Gracie Hart sempre foi linda, com um corpo padrão e uma beleza única mesmo não se esforçando. Pensando agora, esse filme é o ápice da problemática que estamos abordando…

 O interessante sobre isso é que, na arte  —  sejam filmes, livros ou séries  —,  essas garotas que “agem” como garotos sempre continuam tendo uma perfeita aparência padrão. Homens e mulheres crescem entendendo que o desejável é um garota de corpo, pele, olhos e cabelo perfeito, mas ai dela se demonstrar que faz alguma espécie de esforço para atingir isso.

E isso é o que eu quis dizer com “estigma do esforço”.

Você se esforça demais querida; se esforçar é feio. O melhor exemplo disso é o famoso silicone. O número de mulheres que faz cirurgia no seios para atender um padrão de beleza quase que inalcançável é imenso, ainda assim a ideia de fazer cirurgia para se encaixar dentro de um patrão ainda é um tabu imenso e motivo de chacota entre homens e mulheres que muitas vezes menosprezam aquelas que fazem algum tipo de cirurgia.

O que leva a um outro problema: a quantidade de mentiras e falsidades que são construídas sinteticamente sem que as pessoas saibam. Este fato ajudou na construção da nossa mídia que temos hoje em dia. Milhares de mulheres são afetadas pelos padrões inalcançáveis que estão bem à sua frente sendo vendidos como sorte do destino ou talvez um mínimo esforço.

Por isso é válido destacar que, só no Brasil, 4,1 milhões de pessoas sofrem de TDC (transtorno dismórfico corporal) e entre as mulheres do mundo 77% destas tem propensão a distúrbios alimentares. Vivendo em uma sociedade misógina é jogado para nós a pressão estética e emocional atrelada a esta. O mais triste é que entramos nesse ciclo e julgamos inconscientemente todas as mulheres por herança dessa pressão. 

Por esse motivo é importante que nossas ações e julgamentos sejam monitorados. A misoginia está dentro de todos nós, mas é importante lembrar que o que você faz ou deixa de fazer não te faz superior ou inferior a ninguém. É impossível colocar em palavras a herança da misógina internalizada em nós, mas o que podemos fazer é nos policiarmos em nossas falas e ações, buscando incentivar a sororidade e não a rivalidade.