Na última sexta-feira, estreou uma nova temporada do Programa Boas vindas, da GNT. Serão 12 programas de meia hora que são exibidos inicialmente às sextas-feiras, às 22:00 hs e algumas vezes reprisados.

No primeiro episódio, foi contada a história altamente complexa de um casal homoerótico. Vivendo juntos há algum tempo, eles passaram a ter o desejo de ter filhos. Ante as dificuldades iniciais do processo de adoção, eles decidiram tentar ter filhos geneticamente deles, recorrendo a barrigas de aluguel, contratadas no sudeste da Ásia.

Temos então um incrível nó de questões se entrecruzando: questões de gênero, definição de família, legislação de diversos países, o uso de barriga de aluguel remunerada.

Alguns profissionais foram convidados a participar do programa. Fui um deles e, de início, cumprimentei a produção do programa por estabelecer como questão ética a ser discutida o uso da barriga de aluguel, tomando já como estabelecida a condição homoerótica do casal e seus recursos para acompanhar e educar crianças. Muito bom já partirmos deste patamar.

Em minha participação, trabalhei a ideia de que hoje, de fato, ter filhos é cada vez mais compreendido como uma questão de desejo e não de instinto natural, de modo. Assim, concebe-se que uma mulher possa não desejar ter filhos sem ser menos mulher por isto; assim como se compreende e se abre a possibilidade de que filhos sejam criados em configurações distintas da família tradicional. Mas me preocupei um tanto com a condição da barriga de aluguel contratada. Se, de um lado, ter filhos não deve ser tratado como condição natural, tampouco soou bem a ideia de adquirir um como se fosse um objeto de consumo.

O raciocínio passou a ser: se a lei brasileira não permite, vai-se a outro país que permita e se aluga barrigas. Bem, não se aluga barrigas isoladas: elas estão em mulheres. Ainda que voluntárias, deve-se imaginar o que se passa em suas mentes e fantasias enquanto geram um filho que não permanecerá com elas; para não falar do momento da “entrega” e o que se segue a isto. E o Mercado parece oferecer uma fantasia onipotente: se eu puder pagar, todos os limites podem ser vencidos.

Aqui sim, há questões éticas a serem pensadas, ante a novidade aberta pela tecnologia e pela nossa cultura.

Mas minhas preocupações foram desmanchadas pelo desejo sincero daquele casal. Ao longo de meia hora, a narrativa muito bem conduzida do programa nos leva a ter a maior empatia por eles, mesmo ante a estranheza da experiência. Eles foram ao laboratório oriental, cada um deles coletou seu material genético, que foi unido a óvulos de doadoras. Os embriões resultantes foram implantados em duas mulheres. Seguiu-se daí todo o sofrimento característico dos processos de reprodução assistida: riscos, perdas, novas tentativas. Ao final do processo, nasceram gêmeas de uma das mães e mais menina da outra. De modo que eles foram acompanhados por amigos buscar três meninas, filhas genéticas deles.

Uma narrativa heroica. Um admirável mundo novo cujas consequências para todos (pais, filhas, mulheres que alugaram suas barrigas) não sabemos avaliar ainda; tudo isto ao lado de nossos eternos dramas humanos, demasiado humanos.

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Pedro de Santi

Psicanalista, doutor em psicologia clínica e mestre em filosofia. Professor e Líder da área de Comunicação e Artes da ESPM.

   

 

 

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