“Songs of Innocence”, o tão aguardado 13º álbum de estúdio da banda irlandesa U2 (para os exotéricos o número 13 carrega uma emblemática simbologia negativa) já nasceu sob o signo da polêmica, pois foi presenteado pela Apple para mais de 500 milhões de usuários do iTunes em setembro, logo após o anúncio do IPhone 6. O problema é que muitos dos presenteados não gostaram da surpresa reclamando, inclusive, da não possibilidade de removê-lo de suas bibliotecas virtuais. A Apple teve que desenvolver um aplicativo para tal remoção. Comentários à parte são as agressões presenciadas nas redes sociais.

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O que deveria ser uma instigante estratégia de marketing virou uma espécie de pesadelo: semanas depois de lançado, o trabalho só havia sido baixado por dois milhões de usuários, um retorno muito aquém do esperado, lembrando que, segundo a imprensa internacional, a Apple teria gasto US$ 100 milhões (cerca de R$ 235 milhões) para adquirir os direitos do lançamento do CD. Por isso, esta repercussão negativa pegou a empresa de surpresa, ainda mais porque teria planejado fazer mais ações com a referida banda. O próprio líder da banda, Bono Vox, chegou a postar no Facebook um pedido de desculpas pela invasão: “Desculpe por isso. Nós nos deixamos levar, artistas são suscetíveis a esse tipo de coisa. Uma gota de megalomania, um toque de generosidade, um desejo de autopromoção e um medo de que as músicas com as quais vivemos tanto tempo não sejam mais ouvidas.”

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Confesso que sou fã de carteirinha desta banda que acompanho desde seus áureos tempos nos anos 1980 e 1990. Minha memória afetiva ainda guarda a emoção ao ouvir pela primeira vez a música “Sunday Bloody Sunday” do terceiro trabalho do U2 em 1983. Na mesma pegada poético-política, ainda me arrepio ao ouvir o hino “Pride (In The Name of Love)” do disco “Unforgettable Fire” de 1984, só para citar duas das criações que mais curto. Minha admiração pelo grupo só cresceu no final dos anos 1990, quando o U2 começou uma parceria criativa e afetiva com o cineasta alemão Wim Wenders (de longe o criador que mais admiro em termos de linguagem audiovisual), colaborando com belas canções na trilha sonora de vários de seus filmes; os que mais admiro são “Tão Longe, Tão Perto”, “O Fim da Violência” e “O Hotel de um Milhão de Dólares”.

Muitos críticos alardeiam que a banda U2 caiu na mesma armadilha das grandes bandas como os Rolling Stones: não se mexe em time que está ganhando, ou seja, sempre o mais do mesmo em termos de criação. Será?

Indo na contramão da crítica, talvez por puro saudosismo, declaro que gostei de “Songs Of Innocence”, tanto que já comprei a versão física com dois CDs, embalada em uma bela e poética capa que traz um retrato do baterista Larry Mullen Jr. abraçando seu filho de 18 anos, em uma referência clara aos clássicos álbuns “Boy” e “War” (note-se que até o receptor da imagem descobrir o conceito do registro feito pelo fotógrafo Glen Luchford, a foto gera uma certa ambigüidade, inclusive erótica. Nas redes sociais do U2, os comentários são, lamentavelmente, ofensivos e preconceituosos). Mas como o que vale é o som, na minha modesta opinião, as cinco primeiras faixas do trabalho valem o CD, com atenção especial às canções “Song For Someone” e “Every Breaking Wave”, minhas preferidas.

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Na semana passada, para tentar me distanciar dos agressivos e odiosos comentários sobre o resultado das nossas eleições para presidente que, infelizmente, presenciei nas mídias sociais, ouvi várias vezes as canções de “Songs Of Innocence”, criadas por estes “garotos” que há 38 anos nos presenteiam com suas belas canções. Conclusão… U2: ame-os ou deixe-os. A provocação política não é mera coincidência.

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João Carlos Gonçalves (Joca)

Doutor em Linguagem e Educação pela USP; Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor de Fundamentos da Comunicação e Semiótica Aplicada na ESPM.

 

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