Por motivos consideravelmente intuitivos, a patinação artística no gelo não é um esporte tão popular no Brasil como em países mais gelados, como é nos Estados Unidos, na Rússia e no Japão. Apesar disso, a modalidade olímpica de inverno tem a sua base de fãs no Brasil, que, mesmo sem acompanhar o dia-a-dia de um atleta profissional, marca presença nas mídias sociais e na cultura popular.

(Nota mental: o brasileiro marca presença nas mídias sociais até em campeonato de balão de aniversário. E esse exemplo é sério.)

Nos próximos minutos, tentarei te convencer em três frontes diferentes a assistir Yuri on Ice, um desenho japonês de 12 episódios de 20 minutos sobre patinação artística.

1. Dose certa de patinação para entusiastas e leigos

É de se esperar que o número de brasileiros que esteja contando os dias para as Olimpíadas de Inverno de Pequim em 2022 não seja lá tão grande, partindo do ponto que uma das nossas participações recentes mais expressivas nesses jogos foi em Pyeongchang (2018), quando tivemos a oportunidade de ouro de não ficar em último colocado no Bobsleigh. Mas, partindo desse ponto, seria contraintuitivo imaginar que um anime sobre um esporte de inverno faria tanto sucesso em nosso país tropical.

Para isso acontecer, a receita do sucesso foi a medida certa de informações sobre patinação artística presentes no desenho. As cenas de competição são tão impactantes para quem sabe de cabeça quantos pontos vale um triple axel quanto para quem não entendeu uma palavra da oração anterior. Por ter 12 episódios curtos, a patinação artística em detalhes é introduzida sutilmente, dando a oportunidade de quem se interessou pelo esporte prestar atenção nos detalhes e de quem não se interessou, mas quer acompanhar o desenrolar da história, seguir assistindo sem se apegar às questões técnicas.

Uma informação adicional que vale a pena destacar são as cenas das competições, porque as músicas (todas autorais) são muito bem trabalhadas e os pensamentos dos patinadores são destacados para o telespectador, aumentando a imersão e fazendo com que os aspectos técnicos estejam longe de serem essenciais para apreciar essa obra prima.

2. Construção impecável das personagens

Quando penso numa obra de 12 episódios com 20 minutos cada um, não imagino, de cara, que as personagens sejam tão bem desenvolvidas. Engano o meu! Arrisco dizer que o principal foco de Yuri on Ice seja a construção de cada personagem.

A otimização do tempo no anime é impecável no quesito de nos mostrar o que cada um está pensando, os dramas que estão enfrentando, suas virtudes e seus sonhos. Durante as apresentações nas competições, cada personagem é apresentado enquanto único e isso faz com que nos apeguemos à realidade de cada um, entendendo o porquê de estarem ali e o porquê de se dedicarem tanto para ganhar.

Não existe aquela “personagem perfeita”, que não aparenta ter erros. As virtudes e os desvios de foco, de atenção ou até, por que não?, de personalidade são sempre destacados. A forma como os patinadores criam laços entre si também merece atenção nesse momento, porque histórias únicas são contadas pela tríade formada pelos seus pensamentos, pelas suas músicas e pela forma como cada apresentação foi pensada.

É válido destacar, nesse momento, que os roteiristas são patinadores e patinadores profissionais fizeram parte tanto da composição das músicas, quanto da construção de cada apresentação das personagens, sendo versões realistas aplicadas em uma animação.

Informação bônus: a maioria das personagens é construída em cima de patinadores que realmente existiram.

3. Combinação entre música, romance e filosofia

Se tem uma expressão que consegue resumir esse texto, ela é “na medida certa”. Assim como as informações técnicas sobre patinação, a presença de música, de romance e de questões filosóficas é dosada de forma a apresentar um conjunto impecável.

As apresentações dos patinadores vão de música pop à música erudita (assim como na vida real) e as interpretações são repletas de significado, apresentando as questões morais por trás de cada competidor. Dando uma palinha dos primeiros episódios, são apresentados superficialmente os conceitos de Eros e Ágape, por exemplo, trazendo a realidade de Platão e Jesus Cristo para um anime e dando um grande foco à aplicação desses conceitos no cotidiano e na competição.

Cada personagem compete por seus motivos, constrói laços de amizade e rivalidade pelas suas razões e enfrenta dificuldades reais, que cada um de nós está sujeito a ter que enfrentar algum dia. Frustração e superação são questões presentes do primeiro episódio até o último e, confie em mim, são questões que você vai querer compreender depois de ser apresentado à realidade de Yuri on Ice.

Mas, afinal… por que assistir antes do dia 22? Porque é nessa data que começará a primeira etapa do Grand Prix de Patinação Artística de 2021-2022 e porque, além de ser a principal competição tanto na vida real, quanto pelo anime em questão, quem sabe você não se interesse mais por esse belo esporte depois de assistir e entender um pouco mais desse universo por meio de Yuri on Ice?

As pessoas brilham mais quando buscam entender o amor que as sustenta

– Lilia Baranovskaya

Contando algumas histórias nas minhas próprias contradições.