“Se você mantiver um sorriso no rosto, tudo ficará bem e eles não farão mal algum.”

A fala acima pertence à nova vizinha de Mei e Satsuki, duas meninas que se mudaram junto ao seu pai para uma nova casa. Essa casa, no entanto, definitivamente não era nova. Estava caindo aos pedaços.

O novo lar estava sujo, com paredes e teto instáveis e era habitado por pequenos seres de poeira: os susuwatari. Foi sobre eles, no caso, que a senhora vizinha disse a primeira frase do texto.

Sorrir porque tudo ficará bem. Ao mesmo tempo que parece uma premissa simples, é um dos principais desafios que Meu Amigo Totoro propõe. Desde o início, o filme nos apresenta uma realidade delicada para Tatsuo e suas duas crianças. Em um Japão aparentemente pós-guerra, predominantemente rural e simples, uma família se muda com os seus pertences para uma casa um pouco mais isolada.

Além dos susuwatari, outras criaturas são legais para entendermos algumas reflexões que Totoro traz consigo. Quando Mei se perde no jardim e encontra Totoro, um grande espírito que estava dormindo, fica visível a sua felicidade ao interagir com ele, brincando, gritando e, por fim, adormecendo em cima de sua barriga.

Quando Satsuki sai para procurar Mei, a irmã mais nova é encontrada dormindo no meio da floresta, no chão e em um ambiente comum – diferente do que estava anteriormente. O encontro com Totoro, um troll dos livros infantis de Mei, foi real ou foi a imaginação da criança fazendo com que ela não se sentisse sozinha, já que seu pai estava trabalhando e sua irmã na escola?

Nos dois casos, o otimismo é introduzido como uma opção a ser seguida. Não aquele otimismo comercializado enquanto comodity em nome de uma produtividade, mas uma forma de encarar o mundo meio Ariano Suassuna das ideias, sendo uma busca por um realismo esperançoso.

Um outro momento de destaque dessa relação dos espíritos da floresta com as crianças aparece um pouco depois, quando Totoro cuida de Mei e Satsuki e dá a elas sementes novas – já que o jardim da casa não estava germinando. Ao plantarem e dançarem, juntos, ao longo da noite, enquanto o pai trabalha, as pequenas sementes se tornam grandes árvores à medida que todos fazem o ritual para a natureza.

No dia seguinte, ao checar o jardim, o pai das meninas percebeu que o lugar que não germinava nada há dias agora dava espaço a pequenas mudas de plantas, regadas, bem cuidadas e aparadas com arames para ajudar em seu crescimento. Independentemente de se a imaginação das meninas sobressaiu à experiência mágica da noite anterior ou não, o exemplo das sementes traz a provocação de que podemos mudar algumas situações pensando nas pequenas ações que estão ao nosso alcance.

Apesar de todo o visual das enormes plantas, música mágica e visuais lindos da noite de dança com o Totoro, o dia seguinte amanheceu e o motivo de felicidade foi ver que um jardim, que anteriormente não dava local à vida, agora abrigava pequenas sementes que já começavam a se desenvolver. Na vida e na arte, as pequenas coisas e momentos são aqueles que importam e nos dão forças para encarar as adversidades.

“Há muito, muito tempo atrás, os homens e as árvores eram amigos.”

— Tatsuo Kusakabe, pai das meninas

Um terceiro caso no qual o otimismo desempenha um papel fundamental é a esperança na situação de sua mãe. Internada com uma doença há algum tempo, a mãe das meninas é o que mais ocupa espaço e preocupação na cabeça das meninas e de Tatsuo. Sempre que possível, vão ao hospital ver como está a sua recuperação e ficar algum tempo junto a ela.

“Nós já aguentamos muita coisa. Basta nos esforçarmos mais um pouquinho.”

– Tatsuo Kusakabe, pai das meninas

O otimismo é realmente central aqui, porque, apesar de sempre lidarem de forma a torcer pela melhora da mãe, as meninas acabaram descobrindo que ela não voltaria para casa no tempo previsto, pois havia tido uma piora repentina. Mei confessou temer pela vida de sua mãe, fazendo com que sua irmã Satsuki brigasse com ela, abalando a caçula que correu para o distante hospital, localizado em outra cidade.

O otimismo não entra como definição de acreditar que vai dar tudo certo simplesmente “porque sim“. Sequer você precisa acreditar que vai dar certo. O pai tinha ido ao hospital e deixado as duas irmãs com a vizinha. Mei, a criança mais nova, fugiu. A saúde da mãe piorou. Acreditar que tudo vai dar certo pelo simples motivo de que tudo tem que dar certo seria tratado por Totoro como uma infantilidade totalmente oposta aos valores infantis de usar a imaginação e o sorriso como armas contra uma realidade dura.

Aos moldes do realismo esperançoso de Ariano Suassuna, o desenvolvimento dos fatos acontece totalmente em volta dos conceitos de esperança. Depois de buscar ajuda dos adultos em vão, Satsuki vai de encontro ao Totoro, que, com o seu sorriso de sempre, chama o Gatônibus – nome auto explicativo, diga-se de passagem. Com o mesmo sorriso do troll dos livros infantis, o Gatônibus acena para Satsuki e muda o destino num painel acima de sua cabeça, colocando Mei e posteriormente hospital como destino.

Simples, mas complexo. A esperança de Totoro, do Gatônibus e, agora, de Mei não vem do verbo esperar. Sua esperança vem exatamente da realidade em que há algo a ser feito para melhorar e amenizar algumas situações. Ficar bem quando descobriram a piora da mãe não depende delas, mas não discutirem e buscarem uma solução, juntas, talvez. A melhora da mãe também não depende delas, mas irem até lá e checar como ela estava, sim. 

Meu Amigo Totoro não nos dá uma resposta sobre o que é imaginação ou o que é realidade. E, provavelmente, nem o próprio Totoro deve ligar para a resposta. A dubiedade nos dá a entender que tanto a imaginação, quanto a percepção estrita de uma realidade dura podem ser fundamentais para que mantenhamos o pé no chão para sorrir. Os medos não vão embora, a magia não se torna realidade, mas o cotidiano se torna menos doloroso e, o que já havia se tornado ordinário, volta ao extraordinário.

“Eu acho que eu vi Satsuki e Mei sorrindo no alto daquela árvore.”

– Yasuko Kusakabe, mãe das meninas

“Isso parece louco, mas talvez você tenha visto mesmo.”

– Tatsuo Kusakabe, pai das meninas

Contando algumas histórias nas minhas próprias contradições.