The White Lotus, a primeira série criada, escrita e dirigida por Mike White, lançada em julho de 2021, recebeu grande retorno de visualização além de ganhar os prêmios Emmy de melhor direção e melhor roteiro. White conquistou seu objetivo de provocar, explicitar e indiretamente criticar o comportamento egocêntrico e presunçoso de uma classe de pessoas muito específica. Para isso, a série acompanha quatro perspectivas diferentes em um mesmo ambiente, sendo uma família, um casal, uma solteirona e os trabalhadores do hotel onde essas pessoas pagaram para passar suas férias.

Apesar de ter uma progressão lenta, a série já começa revelando que houve uma morte no hotel, o que faz com que, mesmo nos episódios que focam mais no drama e nas críticas sociais, o espectador continue assistindo pelo suspense. Além de White conseguir harmonizar dois gêneros diferentes de uma maneira sútil, a trilha sonora da série é extremamente precisa com a sensação da cena, imergindo o espectador ao máximo no desconforto, caos e sufoco do momento.

O conflito da obra permeia sobre o relacionamento entre os hóspedes e os empregados do hotel, em uma relação que sem muito esforço explicita o conflito da perspectiva de mundo. A começar com o fato de que a terra havaiana foi roubada de seu povo nativo para que pudessem fazer um hotel a beira mar, até o contexto em que esse hotel de luxo começou a receber apenas pessoas de alto escalão. Nesse cenário, ao focar em cada hóspede o diretor foca em um viés diferente de crítica.

A família, por exemplo, é composta por um casal de um pai que acha pior descobrir que alguém de sua família era gay do que receber a notícia de que ele próprio não tinha câncer, e pela mãe que acredita que os homens brancos jovens estão passando por mais dificuldades que todas as outras pessoas no mundo. A filha é uma jovem esnobe que se vê superior aos outros e nunca consegue aceitar algo que outra pessoa tem e ela não, junto com o irmão mais novo que é viciado em tecnologia e não consegue passar nenhum dia sem estar imerso nos eletrônicos.

Já o casal retrata uma relação tóxica entre um homem mimado que se importa mais com o quarto errado que ele foi posto no hotel do que com sua própria esposa que está passando por uma crise de identidade pós casamento ao refletir sobre seu trabalho e seu propósito de vida e não consegue aceitar que seu casamento é tóxico. E o terceiro contexto é uma mulher de meia idade solteirona, solitária e “vítima” dos problemas da vida que ela inclusive não sabe lidar e acaba afetando todos ao redor com essa negatividade.

E por fim, o outro lado da história retrata a vida dos trabalhadores do hotel, mostrando como todo o caos dos hóspedes acaba os afetando. Os episódios focam no gerente que é obrigado a acompanhar diariamente todos os hóspedes, intercalando com a gerente do spa e com um garçom que acaba se envolvendo com uma das visitantes e, assim como todos os outros, acaba se prejudicando por isso.

Em geral, a moral da história critica como as pessoas da alta sociedade materialista e supérflua conseguem prejudicar de alguma maneira os empregados do hotel e seguirem suas vidas sem serem afetados por isso. Assim como fazem em muitos outros cenários. No final, mesmo que minimamente, o espectador vergonhosamente acaba se identificando com algum personagem e percebendo que está inserido de alguma maneira no mesmo sistema capitalista e arrogante do mundo da série, provando que apesar de ficcional, o roteiro não está muito longe da realidade. No fundo mesmo, todo mundo é um comedor de lótus, odiosos como céu opaco e confinados pelo mar azul escuro.