Tendo chegado aos cinemas na semana passada, The Batman é uma atualização provocante sobre a mitologia do personagem, e, certamente, uma das obras mais instigantes já realizadas dentro do gênero cinematográfico de herói — tão saturado atualmente.
O filme nos introduz na história com um empurrão. Sem precisar reencenar o colar de pérolas sendo arrancado do pescoço de Martha Wayne, a gente já mergulha de cabeça (ou melhor: na cabeça) ao ver um Batman traumatizado, encarando um menino de luto como se estivesse encarando a si mesmo.
E a cidade de Gotham também serve como um espelho para a alma do Batman. No melhor estilo Taxi Driver, o protagonista cruza uma cidade enquanto pontua seus aspectos mais sujos e indesejáveis, movido por uma vontade de mudar aquele ambiente como se isso pudesse mudar a si mesmo, enquanto sua alma é cada vez mais consumida. Nesse sentido, o universo de Gotham serve como uma visão macroscópica do Batman, deixando claro como não é possível falar sobre o Batman sem falar sobre Gotham.
Traumatizado, sombrio, obsessivo, violento, inexperiente, deprimido, apático… Para esta versão do homem-morcego, não faltam adjetivos desgostosos. E tudo isso se encaixa bem na mitologia do personagem. Explorar a psicologia do Batman é, de certa forma, como explorar a psicologia do homem urbano moderno, que, sem poderes, precisa enfrentar grandes interrogações sobre o significado da própria existência em meio ao labirinto de um sistema sustentado por violência.
E por falar em violência, temos o Charada. Caracterizado como uma versão incel do assassino do Zodíaco, o Charada de Paul Dano brilha por reviver brilhantemente um dos antagonistas mais importantes do Batman no cinema. Também vítima da violência de Gotham, o Charada ressignifica o trauma sofrido pelo abandono por meio de quebra-cabeças, que escalam em atos assassinos e projetam o terror presente no interior do personagem para a população da cidade.
E por falar nos outros personagens do filme, temos a mulher-gato. Infelizmente tratada com diálogos um tanto superficiais que não aproveitam o potencial tanto da personagem quanto da Zoë Kravitz, a Mulher-Gato é uma peça-chave na história e teve seu merecido destaque como uma personalidade independente e que representa a população desafortunada que também sobrevive em meio à violência de Gotham, mas sem possuir o mesmo saldo bancário de um herdeiro Wayne.
Voltando a falar nele: ao negar o amor da Mulher-Gato, o Batman de Robert Pattinson revela sua incapacidade de se relacionar por meio de outra coisa que não seja a violência. E isso faz muito sentido para este personagem, que enxerga o mundo por meio de lentes de sofrimento registrando obsessivamente cada detalhe da sua cruzada noturna como um voyeur freak. Não à toa, alguns dos momentos mais sensíveis do filme são quando Bruce se permite ser tocado pelo afeto do Alfred ou quando é beijado pela Mulher-Gato. Faz todo mundo lembrar que, no fundo, esse pervertido vestido de morcego também é humano.
Falando um pouco sobre a experiência estética perfeitamente atmosférica, cada detalhe contribui para a criação deste mundo. Trilha-sonora e direção de arte góticas, maquiagem que deixa o Colin Farrel irreconhecível como Pinguim, fotografia que abusa de ângulos criativos e deixa bem claro tudo que está acontecendo no escuro… The Batman é um filme bem consistente para a história sendo contada.
Puxando pro Marketing, o filme também tem grandes acertos. Além do auê gerado pela escalação de um elenco tão excêntrico quanto os personagens do Batman ou os pôsteres provocantes em vermelho-sangue, você também pode acessar o site www.rataalada.com para brincar de Batman e resolver uma charada.
Em um final que promete sequência, Gotham tem suas contenções racionais detonadas e é invadida pelo mar do inconsciente. Encare você esta passagem do filme como uma representação do dilúvio bíblico ou uma metáfora para o próximo estágio do aquecimento global, o fato é que a solução final do Charada entrega ainda mais caos para o universo deste filme e mergulha nossas expectativas na ansiedade pela continuação dessa história.
Posts Relacionados:
