Guimarães Rosa já nos alertou: “… mire, veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam, verdade maior. É o que a vida me ensinou.” A vida também nos ensina que o mais belo do ser humano é reconhecer-se incompleto, viver é um eterno aprendizado. Aprender diz respeito essencialmente aos signos e a linguagem; nunca se aprende fazendo como alguém, mas fazendo com alguém. Neste sentido estamos sempre acompanhados e aprendendo com os livros que lemos e, sobretudo, com autores que amamos.

O pensador e semiólogo francês Roland Barthes, que descobri nas minhas aulas de graduação na PUC-SP, é um dos meus escritores preferidos e foi responsável por despertar em mim o amor pelos livros e pela palavra escrita: o seu saber com sabor nunca me abandonou. Em 2015 comemora-se o seu centenário e este texto é minha homenagem a ele, como um reencontro com o passado, enquanto recuperação do seu frescor primeiro: o tempo afetivo da memória em que minha formação intelectual se formatou.

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Em seu delicioso livro “Aula” (na verdade uma palestra proferida ao assumir o cargo de professor no Collège de France, em 1977), Barthes comenta que as palavras Saber e Sabor têm, em latim, a mesma etimologia, pois é o gosto das palavras que faz o saber profundo e fecundo. Com este pensar, Barthes não visa a colocar de um lado os cientistas e os pesquisadores, e de outro os escritores e os poetas; ele sugere, pelo contrário, que a escritura se encontra em toda parte onde as palavras ganham sabor.

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“A Câmara Clara”, um livro importantíssimo para se entender a linguagem fotográfica, me fascinou pelo tratamento poético dado à cultura da imagem: “A foto é literalmente uma emanação do referente. De um corpo real, que estava lá, partiram radiações que vêm me atingir, a mim, que estou aqui; pouco importa a duração da transmissão; a foto do ser desaparecido vem me tocar como os raios retardados de uma estrela. Uma espécie de vínculo umbilical liga a meu olhar o corpo da coisa fotografada: a luz, embora impalpável, é aqui um meio carnal, uma pele que partilho com aquele ou aquela que foi fotografado.”

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Outro livro que adoro é “O Prazer do Texto” em que Barthes comenta sua paixão pela Leitura de um modo poético e comovente; uma passagem memorável: “Eu amo o texto porque ele é para mim esse espaço raro da linguagem. Todos os significantes estão lá e cada um deles acerta na mosca; o autor (o leitor) parece disser-lhes: amo a vocês todos (palavras, giros, frases, adjetivos, rupturas… os signos e as miragens de objetos que representam)”.

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Para quem deseja mergulhar no fascinante universo de Roland Barthes e descobrir a poética deste notável escritor (e ser seduzido pela inteligência/abrangência de suas ideias), indico o livro “Fragmentos de um Discurso Amoroso”, que como o próprio título sugere, trata dos sentimentos, dos afetos que unem os seres humanos. Criando verbetes em ordem alfabética que, muitas vezes, resvalam no erótico do próprio discurso. Barthes sentencia: “A linguagem é uma pele: esfrego minha linguagem no outro. É como se eu tivesse palavras ao invés de dedos, ou dedos na ponta das palavras. Minha linguagem treme de desejo. A emoção de um duplo contacto: de um lado, toda uma atividade do discurso vem, discretamente, indiretamente, coloca em evidencia um significado único que é “eu te desejo”, e liberá-lo, alimentá-lo, ramificá-lo, fazê-lo explodir (a linguagem goza de se tocar a si mesma); por outro lado, envolvo o outro nas minhas palavras, eu o acaricio, o roço, prolongo esse roçar, me esforço em fazer durar o comentário ao qual submeto a relação”.

Texto em Estado de Poesia. Preciso dizer mais alguma coisa?

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João Carlos Gonçalves (Joca)

Doutor em Linguagem e Educação pela USP; Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor de Fundamentos da Comunicação e Semiótica Aplicada na ESPM.

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