Há aproximadamente três semanas, eu tentei começar a ler um livro que está muito famoso no Booktok (lado do TikTok referente aos livros): A Canção de Aquiles. Posso dizer que li quase metade do livro antes de desistir, porque simplesmente não conseguia me prender à história. O livro é ruim? Não. A história é inclusive muito bem escrita e cativante, então o motivo pelo qual eu o deixei de lado foi muito confuso. Por incrível que pareça, desisti de um livro bom pela falta de personagens mulheres.

Isso até poderia ser um texto sobre feminismo e a falta de protagonismo feminino na literatura mas, na história de Aquiles, realmente não existem muitas mulheres envolvidas, uma vez que sua mãe é muito distante e ele acaba se apaixonando por um homem. Então, a falta de personagens femininas é justificada.

Entretanto, apesar de justificada, essa causou um fenômeno com suas leitoras. Quando desisti do livro fui conversar com algumas amigas que já tinham tentado ler e todas disseram que sentiam algo faltando na história, que não conseguiram se conectar e por isso desistiram. Foi aí que eu percebi: o que faltava era identificação.

Quando lemos, buscamos personagens com os quais podemos nos identificar, que nos prendam na história. Mas a maneira como o personagem é descrito e todo o contexto da narrativa acabam sendo muito distantes da nossa realidade. Assim, não conseguimos nos enxergar na história, e, por isso, essa deixou de ser interessante. Nosso cérebro, quando em contato com algo novo, sempre procura algo existente que pode ser relacionado; por isso, acabamos reconhecendo “coincidências” e “sinais” com tanta facilidade. Estamos sempre em busca de algo relacionável.

Essa técnica de fazer personagens com os quais os leitores consigam se identificar não é nada nova. Ao escrever a saga Crepúsculo, Stephenie Meyer criou a protagonista, Bella, da maneira mais ampla e “simples” que pode, de forma que todas as mulheres e meninas que lessem os livros, conseguissem se ver na personagem, sentindo suas dores e seus amores ao longo da história.

Quando nos identificamos com um personagem, criamos um laço emocional. Ao invés de palavras escritas no papel, vemos sentimentos, choramos, torcemos, gritamos e sofremos com eles, como se fossem reais. Uma história bem contada é aquela que sai do livro e vira um mundo. Quem nunca se viu com raiva da Professora Umbridge ou completamente apaixonado pelo Mr. Darcy? Isso acontece por que passamos a admirar as qualidades do personagem, entender seus defeitos e sentir suas dores. 

Não importa quantos anos tenham passado
Nós ainda a odiamos

Não me entenda mal, não gosto apenas de livros em que as protagonistas são mulheres; inclusive me apaixonei por Percy Jackson, Harry Potter e muitos outros, através dessa identificação. O erro em A Canção de Aquiles foi fazer um personagem pouco ‘relatable’, apresentar apenas seus defeitos, suas contradições e fraquezas, de modo que ninguém realmente queira se identificar com alguém assim.  Não tem nada em Aquiles no começo do livro que seja admirável; até daria para se relacionar com ele mesmo assim, mas a descrição é realmente fraca nesse sentido. Seus arredores também são difíceis, por realmente conviver apenas com homens; falta um equilíbrio na história, algo que dificulta bastante a relação.

Não podemos gostar e consumir apenas aquilo que somos, mas como viver uma história, se não é possível participar dela?